Romance filosófico é o filme mais bonito e imprevisível que você verá na Netflix Divulgação / Max Films

Romance filosófico é o filme mais bonito e imprevisível que você verá na Netflix

Quando você grava um filme em um lugar excepcional, você tem que saber que usar toda aquela ambientação cheia de personalidade ao seu favor. Algumas paisagens são tão importantes para a história quanto os personagens. É o caso de “Corações Gelados”, filme de 2016, dirigido pelo cineasta canadense Kim Nguyen.

A história se passa em uma pequena cidade perto do Polo Norte, onde vivem Roman (Dane DeHaan) e Lucy (Tatiana Maslany). Jovens, apaixonados e problemáticos, eles precisam exorcizar seus demônios para conseguirem ficar juntos. Mas a situação é muito mais complexa do que soa (e menos sobrenatural também). Ambos sofreram com pais abusivos e enfrentam traumas que os paralisam emocionalmente. No caso de Lucy, é ainda mais pesado. Ela era abusada sexualmente pelo pai. Mesmo ele tendo morrido há alguns anos, ela continua a vê-lo. É como se ele ainda a perseguisse e a impedisse de seguir sua vida. Ela acredita que precisa ir embora para fugir de seu passado e de seu estuprador.

Mas Roman, que também enfrenta seus próprios problemas, acredita que não conseguirá acrescentar nada de positivo na vida de Lucy e tenta afastá-la. Mesmo assim, ela não desiste e os dois acabam fugindo juntos para o sul, atravessando cenários perigosos, inóspitos e solitários.

Os traumas, no filme, são representados por um urso polar, que aparece às vezes dialogando com os personagens, orientando-os. O problema é que ele aparece pouco demais para ter seu nome agregado ao título original “Two Lovers and a Bear”. A maior parte da história acontece durante a fuga, em que eles passam por desafios de sobrevivência no extremo frio.

“Corações Gelados” não é um romance bonitinho e relaxante. Este, definitivamente, não é um comfort movie. Na verdade, ele provoca um verdadeiro desconforto ao unir histórias de vida tão cheias de dores. Este filme pode ser um gatilho e é incômodo. É a luta interna e externa de duas pessoas para tentar ser felizes apesar das feridas que sofreram durante suas passagens no mundo.

As atuações são fortes, os diálogos pesados, a fotografia nos leva por momentos de verdadeira claustrofobia, mesmo quando abre, mostrando as extraordinárias paisagens de Iqaluit, Nunavut, no Canadá, onde foi filmado. Porque apesar de vasto, parece não oferecer saídas. É um oceano congelado e a vista parece nunca alcançar a terra firme.

Às vezes, o enredo parece um pouco confuso. Mistura alívios cômicos que não cabem exatamente nos lugares onde são posicionados, muda de ritmo como se não soubesse em qual cadência seguir, nos dá personagens com personalidades muito voláteis, se uma hora eles estão no fundo do poço, na cena seguinte já se recuperaram sem nenhuma explicação. É como se o roteiro agisse por puro impulso. Há pontos positivos e negativos, se por um lado não parece coeso o bastante, por outro, é instintivo.

Importante ressaltar que provavelmente não foi nada fácil gravar em um lugar com condições climáticas tão complicadas. Tanto os atores quanto a equipe técnica tiveram que encarar trabalhar sob temperatura de – 40º C. Além disso, as lâmpadas das ruas da cidade tinham uma coloração avermelhada que dificultou a captura das imagens. Um trabalho técnico hercúleo que merece o mérito do esforço.


Filme: Corações Gelados
Direção: Kim Nguyen
Ano: 2016
Gênero: Romance
Nota: 8/10