Bula de Livro: A Fera na Selva, de Henry James

Bula de Livro: A Fera na Selva, de Henry James

Meninas e meninos, sem saber, esperei ansiosamente, por toda vida, pela leitura de “A Fera na Selva”, de Henry James. Seria o grande acontecimento de minha existência, algo que mudaria tudo. Quando essa leitura finalmente acontecesse, eu seria dilacerado por suas garras, para o bem ou para o mal. Essa criatura furiosa em forma de livro poderia destruir-me ou elevar-me, ser minha glória ou minha tragédia. O que aconteceria?

Obviamente, essas frases de abertura foram recursos retóricos não muito sutis, planejados para intrigar o leitor dessa resenha. Contudo, também podem ser interpretadas como um resumo do enredo dessa genial novela de Henry James, autor muito lembrado pelo clássico “A Volta do Parafuso”. Saliento que “genial” não é um adjetivo exagerado.

A Fera na Selva, de Henry James (Sesi-SP, 92 páginas)

“A Fera na Selva” trata, sobretudo, de espera. Uma espera que estagna a vida, que impõe um suspense paralisante. A espera do protagonista John Marcher por algum acontecimento extraordinário que ele tem a certeza que, cedo ou tarde, vai acontecer, torna-o insensível a todo o resto.

O que será esse acontecimento? Ele não sabe? Quando vai ocorrer? Ele não sabe. É positivo ou negativo? Ele não sabe. O que lhe resta fazer? Nada, só esperar. E ele nada faz, só espera; na companhia da devotada May Bartram. Inicialmente, não queria partilhar com ela o que considerava ser seu terrível segredo, uma vez que “um homem de valor não se permite acompanhar de uma mulher em uma caçada de tigres. Essa foi a imagem que acabou fazendo de sua própria vida”.

A imobilidade desse indivíduo de caráter peculiar, embora não extraordinário, esperando ininterruptamente por um destino fabuloso, é uma narrativa sobre egoísmo, orgulho irrefletido e, principalmente, cegueira. Não cegueira literal, ao modo de Homero ou Borges, mas cegueira emocional. O que faltou para John Marcher foi saber reconhecer o extraordinário no cotidiano, no aparentemente banal? A resposta está na impactante última página. Uma das mais perfeitas descrições de um mundo interior desabando da literatura universal.

“A Fera na Selva” é uma das melhores novelas de todos os tempos, ao lado de obras-primas como “A Morte de Ivan Ilitch”, de Tolstói; “A Morte em Veneza”, de Thomas Mann; e “O Alienista”, de nosso Machado de Assis. O texto de Henry James é elegante e sutil. Nada é por acaso em sua prosa. Cada frase esconde diversas camadas de interpretação e, o conjunto, ganha um sentido totalmente novo ao fim da narrativa.

Henry James foi um prosador por definição. Orgulhava-se, não sem alguma ironia, de nunca ter escrito um verso. Não precisou. Sua prosa nas poucas páginas de “A Fera na Selva” é um triunfo estético que vale por um poema épico.


Livro: A Fera na Selva
Autor: Henry James
Tradução: José Geraldo Couto  
Páginas: 92
Editora: Sesi SP  
Nota: 10 /10

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.