Tente imaginar a cena: você está atravessando uma rua escura dentro de cidade sabidamente violenta. De repente, o enorme vulto de um homem se projeta à sua frente, segurando uma arma nas mãos. Instintivamente, seu coração dispara, as mãos suam frio, o gosto de sangue vem à boca e os músculos se preparam para a defesa. Dois segundos depois, você descobre que o vulto é, na verdade, a projeção dos galhos de uma árvore. Por aquele breve tempo, seu corpo agiu como se a vida estivesse em perigo.
Somos biologicamente programados para ter medo. Ele é uma forma de precaução, de alertar o corpo sobre as possíveis agruras que alguém possa sofrer. Há quem defenda que tê-lo é sinal de fraqueza. “Seja macho!”, dizem por aí, como se isso significasse alguma coisa útil além de um traço de misoginia. Ainda bem que a biologia nos impede de adotar indiscriminadamente esses conselhos malucos e inconsequentes. Do contrário, lutaríamos a sangue frio com assaltantes armados e o emprego ficaria para trás ao primeiro dissabor. O medo nos faz prudentes.
A questão talvez seja sopesar para compreender até que ponto essa reação biológica impede o alcance da plenitude. Em excesso, o medo pode cegar, amarrar e impedir. Há pessoas que desperdiçam toda uma vida atadas a um relacionamento claramente infeliz, abusivo e naufragado. Outras se dedicam por dezenas de anos a um emprego que as torna tristes e miseráveis. Há ainda as que apenas planam por uma vida medíocre e sem graça sem questionarem, ao menos por um segundo, a possibilidade de haver escolhas mais interessantes a fazer. O excesso de cautela as torna inertes e subitamente suas vidas estão chegando ao fim sem que de fato tenham vivido. O medo, então, deixa de ser um aliado e estabelece vitória sobre a vida que poderia ter sido e não foi. “Viveu uma vida segura”, dirá a lápide de quem se pauta no medo como limitador da coragem. Que pessoa quereria um epitáfio desses?
Nelson Mandela gostava de repetir que “destemor é estupidez”. Contam seus amigos próximos que, durante uma viagem entre duas cidades da África, em um bimotor, uma das hélices do pequeno avião parou de funcionar. Mandela, percebendo aquilo, contatou seu segurança mais próximo, chamado Mike, para que ele perguntasse ao piloto qual era o real estado de perigo em que aquelas pessoas se encontravam. O piloto informou que seria necessário o posicionamento de caminhões de bombeiros e ambulâncias para o caso de algo dar errado.
Mike confessou, dias depois, que a única coisa que o impediu de se desesperar foi olhar para o semblante de Mandela e perceber que ele mal tirara os olhos do jornal durante a tensa e cambaleante aterrissagem. Mais tarde, quando perguntado por um amigo sobre como de fato havia se sentido durante o voo, Mandela respondeu dramática e francamente, como lhe era de costume: “Homem, eu estava morrendo de medo lá em cima!”. Coragem, portanto, não é ausência de medo. “Coragem é não deixar o medo estabelecer a derrota”
O medo é uma reação esperada e útil, a luta do corpo pela autopreservação, pois ele prefere a proteção à exposição, o conforto ao desconforto, a vida à morte. No entanto, por mais óbvio que pareça, esta jornada na Terra não nos foi dada para ser temida. Deram-nos caderno e lápis para que escrevamos nossa memorável história.
Por uma questão de discernimento, é necessário se precaver para evitar o erro e a queda, mas não há que se congelar pela singela possibilidade de falha. As biografias mais interessantes são povoadas por quedas, enfrentamentos, peito aberto, ponderação e uma pequena dose de sandice. O medo há de ser útil, mas não pode estabelecer a derrota de uma história potencialmente bela.
Coragem mesmo é ter discernimento de encarar, com bom senso e altivez, analisando caso a caso, se vale a pena pular rumo ao desconhecido.