Li “A Sonata a Kreutzer”, de Lev Tolstói, e gostei. Na verdade, gostei muito. Se Tolstói escrevesse, exatamente, este livro hoje estaria com seus dias de escritor contados. Seria, sem ressalvas, “cancelado”. A história começa em um trem onde um grupo de pessoas conversa sobre um tema delicado para a época. O direito das mulheres. E, ainda, sobre um assassinato e um caso julgado no qual o assassino foi absolvido pela justiça. A conversa, dentro do trem, se propaga e contagia as pessoas ao redor até que o narrador não se contém e participa. O tema, lançado por uma senhora eloquente, que defende o seu direito (o direito das mulheres) à liberdade de ação, como exemplo ao não casamento arranjado, é debatido por homens conservadores e, em especial, por um que não admite que a esposa tenha uma vida que não seja avalizada pelo marido. Ela diz: “Bem, meu paizinho esse tempo já passou”. Essa discussão, é caracterizada por nuances problemáticas, que apresentam muito da ideologia de Tolstói, que durante algum tempo influenciou intelectuais ao seu redor, que aderiram, pelo menos por um curto intervalo de tempo, como é o caso de Tchekov, à doutrina do Tolstoismo. Ela serve para introduzir temas comportamentais, que são ancestrais, muito antigos e combatidos veementemente e analisados por muitos, sobretudo na Literatura, que são associados aos relacionamentos entre homens e mulheres: o amor e a traição.
Após as discussões entre os passageiros, que não duram muito e não se sustentam com eloquência ou o pragmatismo de seus interlocutores, um dos passageiros anuncia suas observações sobre o amor, que consiste numa descrença colossal. E, de maneira mais contundente, diz ser aquele mesmo assassino citado em um dos debates. Daí em diante o livro transforma-se praticamente em um monólogo. Todas as personagens secundárias desaparecem e resta o narrador e o assassino, Pózdnichev, que conta a sua fatídica história de desgraça, sem ocultar nada, desde o momento, de sua precoce vida, em que acordou para as sensações do corpo, o sexo, a bebida e o amor. Pózdnichev, foi um libertino na juventude, pois “Ser libertino é uma condição física”. Tolstói lança suas teses e reforça a descrença no homem nesta novela densa, filosoficamente complexa e carregada de uma tensão sincera e ao mesmo tempo sufocante.
“A Sonata a Kreutzer” nos conduz pela mente e pelos sentimentos de um homem comum que, depois de casado, torna-se um moralista. É dotado de alguns atributos peculiares como o gosto pela música, o conceito particular de família, a soberba na relação doméstica. Tolstói, discute o papel das grandes composições clássicas, especialmente a sonata de Beethoven, que analisa minuciosamente por meio da voz narrativa do assassino Pózdnichev.
Esse arranjo, um triângulo amoroso, beleza física, libertinagem e música, são os fios condutores dessa obra magnífica da Literatura russa. Datada? Para não concordar com as opiniões das personagens de Tolstói é preciso lê-lo, e mais, é necessário entendê-lo.
Livro: A Sonata a Kreutzer
Autor: Lev Tolstói
Tradução: Boris Schnaiderman
Páginas: 120 páginas
Editora: Editora 34
Nota: 9/10