Cinema é a verdade 24 vezes por segundo, disse Godard no tempo do celuloide. Almodóvar vai além. A verdade no cinema é o convívio contraditório entre ficção e realidade. Godard acreditou que desvestindo a alienação na obra cinematográfica, apresentada cruamente e com transparência, chegaria à honestidade de uma narrativa voltada para si mesma. Almodóvar leva esse insight para o perfil clássico do seu cinema, de roteiro enxuto, cores fortes, dramas familiares e a cortina romântica sobre a aspereza pessoal.
Por ser do ramo, Almodóvar sabe que todo filme é sobre cinema. Por isso Incorpora George Cukor que em 1981 dirigiu “Ricas e Famosas”, no qual duas escritoras convivem opostas entre o erudito e o popular. Em “A Flor do Meu segredo” (1995) essas duas personagens de Cukor lutam em Almodóvar dentro de Leocadia, interpretada pela excepcional Marisa Paredes. Ela é uma escritora que cansou de produzir sob contrato livros românticos que nada tinham a ver com seu universo particular de esposa suicida rejeitada.
Numa visão geral do cinema de Cukor vemos esse conflito entre erudito e popular também em “Minha Bela Dama” no relacionamento entre a florista e o professor. O popular aspira à grandeza — Léo escreve sobre sua obra sob pseudônimo num artigo assinado com nome falso, comparando-se a Alexandre Dumas. E o erudito aspira ao sucesso. Mas quando lembramos que grandes romances como “Madame Bovary” nasceram de folhetins, vemos que Almodóvar mistura os opostos para ser fiel à verdade no cinema. Um grande filme pode nascer de um romance cheio de lágrimas.
Há ainda as antológicas citações como a de “Casablanca” na cena em que uma romântica Ingrid Bergman ganha um balde de água fria do rosto de pedra de Humphrey Bogart. E forçando o enfoque podemos atribuir a maravilhosa dança flamenco de “A Flor do Meu Segredo” ao melhor de Carlos Saura.
O tempo todo Leo é apresentada com essa contradição entre o imaginário de suas histórias românticas e o desespero de sua fragilidade real. Tanto que acaba sem querer entregando o marido para os braços de sua psicóloga.
Recuperar a sanidade, maldição familiar, num mergulho às raízes do interior, fora do sufoco de Madri, é sua saída para escapar da espiral de loucura. No interior, a escritora de histórias banais que se submete a um harakiri de sinceridade pode brindar com seu editor diante da lareira.
A verdade é apenas isso: cinema. Esse é o segredo exposto em mais um belo filme deste grande criador espanhol.
Filme: A Flor do Meu Segredo
Direção: Pedro Almodóvar
Ano: 1995
Gêneros: Drama
Nota: 10/10