Filme, na Netflix, que foi aplaudido de pé nos cinemas, vai tocar cada cantinho da sua alma Divulgação / Sony Pictures Classics

Filme, na Netflix, que foi aplaudido de pé nos cinemas, vai tocar cada cantinho da sua alma

A pintura dos grandes mestres é vital para os movimentos do balé, na visão de Rudolf Nureyev, interpretado pelo dançarino ucraniano de 26 anos Oleg Ivenko em “O Corvo Branco” (2017). De sólida formação técnica desde a infância, e tendo nascido dentro de um trem, Nureyev era vocacionado para o movimento numa sociedade russa engessada, mas com um balé brilhante e tradicional. Precisava voar e descobriu tanto no Louvre quanto na dança das mulheres a chave para se soltar no palco e assim deslumbrar as plateias exigentes da Europa, para onde viajou pelas mãos do regime soviético.

Sua rebeldia foi notada cedo e tentaram cotar-lhe as asas. Mas sua autossuficiência, fruto da determinação, enfrentou pesadas barreiras, principalmente na complicada cena de pedido de asilo na França, já que discordava das punições que Moscou lhe preparara.

Insuportável como todo gênio, Nureyev não se submetia às gentilezas sociais nem se conformava com as decisões que iriam interferir na sua busca da perfeição. Na guerra fria da época de confronto entre regimes políticos e seus impérios, ele mostrou que era possível atingir o topo da carreira sem fazer concessões. Usou e foi usado por professores, colegas e amigos, e passeou sua insolência pelos mais prestigiados palcos porque se garantia, sobrevivente que era de uma família destroçada, com pai soldado de uma ditadura, que o deixava sozinho na mata gelada, num comportamento que beirava a psicopatia.

Em Rembrandt ele notou os sinais desse abraço paterno pesado depois de longa ausência e foi na sua arte que encontrou o equilíbrio fundado na liberdade do movimento. Junto com o ator principal, é destaque também a presença taciturna do veterano Ralph Fiennes interpretando o professor de dança que assiste impassível a esposa se entregar ao jovem bailarino.

Os limites do gênero também foram rompidos pelo corvo branco, assim apelidado por ser exemplar raro de uma coletividade obscura. Estranhava e tratava mal as mulheres, a quem dedicava também sólidas amizades. E cultivava um relacionamento erótico com o colega de quarto. Filme denso, a favor do biografado, culto e artístico sem afetação. Um bom mergulho no cinema de época, os anos 1950 de saudosa memória.


Filme: O Corvo Branco
Direção: Edward Zwick
Ano: 2018
Gêneros: Drama
Nota: 8/10

Nei Duclós

Escritor e jornalista.