Ganhador de três Oscar, um dos mais belos filmes épicos da história do cinema está na Netflix

Ganhador de três Oscar, um dos mais belos filmes épicos da história do cinema está na Netflix

A famosa lágrima num só olho de Denzel Washington, quando era punido com chibatadas por deserção, denuncia o racismo em “Tempo de Glória” (1989, Edward Zwick)? Mas seu empenho na luta com o uniforme ianque contra os confederados, quando era comandado por um coronel branco (Matthew Broderick) significa submissão do negro ao poder racista?

As divisas de sargento outorgadas ao líder natural da tropa de negros voluntários na Guerra Civil americana, Morgan Freeman, o colocam como um colaboracionista, modelo do cidadão de segunda classe que nasce como prêmio aos que lutam no front? Ou é a síntese dialética de um confronto entre raças na nação conflagrada e sua superação por meio do sacrifício e do empenho em participar de um novo capítulo da História.

A situação é complicada. Lincoln precisava de mais soldados. Os negros escravos dos senhores do Sul insurgente foi uma das soluções. Mas havia resistência à ideia. O jovem comandante da tropa improvisada enfrentou a pressão e a má vontade do exército branco. Foi preciso aliar a dura disciplina à legítima liderança fundada no exemplo.

O coronel moço confiava no projeto e fez questão de levar seus soldados para o miolo da batalha. A guerra mostrada cruamente com o comandante empunhando una espada em frente a novatos em batismo de fogo compõe momentos emocionantes deste filme perfeito; que não foge da polêmica e que não abraça ideologia da raça, mas a identidade nacional em teste decisivo. Pois não importa a cor da pele, mas a nação, garantia de sobrevivência, representada pela bandeira que cai e é levantada rota na batalha.

Tempos de glória. O cinema mostra a que veio. Não por ser uma patriotada, mas por mostrar os ossos do ofício de comandar e de agir com disciplina. O coronel Robert Gold Shaw foi indicado muito jovem para seu posto de coronel graças à sua família influente. Liderar recrutas sem futuro foi uma forma de conquistar com pouca idade uma alta patente militar. Talvez o pai rico esperasse que o garoto fosse preservado ao ficar à margem da guerra com seus soldados inexperientes pois não era previsto que ocupassem o front. Nas cartas à sua mãe Shaw confessava seu desconforto em liderar gente mais velha e experiente. Mas assumiu todos os encargos, brigou por um treinamento adequado e por uniformes e sapatos para uma tropa marginalizada. E teve a ousadia de se oferecer como voluntário na frente do ataque a um forte inexpugnável. Levou a si e seus soldados ao sacrifício pelo privilégio de não ter seu trabalho menosprezado pelo exército tradicional.

Voltando às dúvidas do início deste texto: servir de bucha de canhão numa arremetida suicida foi um gesto de honra ou mais uma prova de que os negros estavam marcados para morrer?

Ao pegar a bandeira que tinha recusado, Denzel responde. É com dignidade que ele encarna esse papel que defendeu com afinco até ganhar o Oscar. O teatro veio abaixo quando anunciaram sua vitória. Nascia assim uma grande estrela de um filme inesquecível.


Filme: Tempo de Glória
Direção: Edward Zwick
Ano: 1989
Gêneros: Drama/Guerra
Nota: 10/10

Nei Duclós

Escritor e jornalista.