Li “Meninas”, de Liudmila Ulítskaia, e gostei. Na verdade, gostei muito. Não existem muitos livros de escritoras russas traduzidos para o português. Não significa que, na terra de Dostoiévski e Tólstoi, não existam várias escritoras russas importantes e talentosas. Inclusive, Ludmila Ulístkaia foi indicada ao Nobel de Literatura em 2021. Ela tem personalidade e luz própria, não sendo apenas a herdeira dos canônicos escritores russos, mas a detentora de uma voz narrativa peculiar.
Em “Meninas”, Ludmila explora a infância de garotas entre 9 e 11 anos na época de Stálin. Os seis contos são inspirados em sua memória e experiências de criança e fazem um discurso político sobre o regime stalinista. Dotada de uma complexidade única, e de um ambiente, em alguns momentos, mórbido e sinistro, Ludmila constrói seu universo explorando as sensações, noções e experimentos de meninas em sua fase de espontâneo desenvolvimento físico e emocional.
O livro possui contos primorosos, que beiram a perfeição estilística e narrativa. Como exemplo “Filhas de outro”, que narra a história de duas irmãs gêmeas que são, essencialmente, diferentes. “Viktória gritava com força, revirando os pequenos punhos cerrados, e Gayané dormia tranquilamente, com se nem tivesse percebido a passagem pela pontezinha frágil que levava de um abismo a outro.” A abertura do conto é, ao mesmo tempo, elucidativa e chocante: “Os fatos são os seguintes: primeiro nasceu Gayané, sem causar à mãe nenhum sofrimento acima do esperado. Quinze minutos depois, veio ao mundo Viktória, provocando duas grandes lacerações e muitos pequenos estragos nos portões sagrados, pelos quais é tão doce e fácil entrar, mas tão difícil e doloroso sair”. Esse início dá o tom do que virá a seguir.
Outro conto belíssimo e intimista é “A enjeitada”. A autora desenvolve a história das gêmeas, do conto anterior, e apresenta suas peculiaridades. São portadoras de sentimentos antagônicos, como o bem e o mal, e vítimas de uma relação abusiva, da mais ativa para a mais passiva, na qual a violência, tanto física como psicológica, é um elemento perene.
“Meninas” é a equivalência. Ludmila escala na direção dos grandes autores da Literatura russa, seus padrinhos do passado, mas amplia e evolui na linguagem. É uma escritora que deve ser lida, obrigatoriamente.
Livro: Meninas
Autor: Liudmila Ulítskaia
Tradução: Irineu Franco Perpetuo
Páginas: 168 páginas
Editora: Editora 34
Nota: 9,5/10