Suspense indiano, na Netflix, te manterá paralisado no sofá, olhos vidrados na TV e coração saindo pela boca Divulgação / Netflix

Suspense indiano, na Netflix, te manterá paralisado no sofá, olhos vidrados na TV e coração saindo pela boca

Não existe nenhuma garantia de que histórias já rodadas consigam renascer e dar em bons filmes. Em Bollywood parece que nunca há de faltar espaço para que tramas famosas no Ocidente ganhem as cores, a sonoridade, o ritmo da Índia, mesmo que a indústria cinematográfica deles não prescinda por completo da interferência externa. “Um Corpo Desaparecido” é um ótimo exemplo de como realizadores indianos entendem o cinema, o seu e aquele produzido no resto do mundo: bons enredos sempre merecem uma segunda chance. As produções bollywoodianas estão longe de ser unanimidade — e os indianos jamais deram a mínima para essa constatação —, e é esse precisamente o seu pulo do gato. Por contar com boa parte da população de 1,4 bilhão de habitantes como público, os diretores de Bollywood sabem que podem abusar das mais delirantes idiossincrasias em seus trabalhos, longas que não raro excedem bastante o limite das duas horas protocolares. O diretor Jeethu Joseph, entretanto, carece de apenas cem minutos para confirmar o êxito do suspense do espanhol Oriol Paulo, autor do roteiro, e dar seu próprio toque ao remake.

Como no filme de 2012, a narrativa de Paulo consegue despertar o interesse do espectador para o evento realmente misterioso que vai se desenrolar já na introdução. A morte de Maya Verma, a mandachuva das indústrias Ion, continua a render a atenção da polícia depois que seu cadáver some sem nenhum rastro de um necrotério em Nova Delhi, e a partir desse momento Joseph vai coordenando novos elementos que, ao passo que destrincham certos pontos, também obnubila a história em alguma medida. A despeito da licença poética de não se tomar a sério a permanência indefinida do corpo de uma milionária num gavetão qualquer, mesmo na Índia, o diretor desfia minudências que podem ajudar o detetive Jairaj Rawal, de Rishi Kapoor (1952-2020), a chegar à solução do que se vai confirmar como o grande busílis de “Um Corpo Desaparecido”. Rawal averigua que Maya, uma mulher de 27 anos, sofrera um infarto ao regressar de um compromisso de trabalho em Los Angeles. Naturalmente, o detetive, junto com o público, suspeita não do mordomo, mas de Ajay, o marido interpretado por Emraan Hashmi, em especial depois que ele, um executivo que trabalha na megaempresa da mulher, apresenta em cena contemplando a vista da suntuosa mansão em que o casal morava. A dialética narrativa do filme, contudo, interdita qualquer pronta conclusão quanto à culpa de Ajay, uma vez que o personagem de Hashmi, cada vez mais nebuloso, é mostrado perdido em lembranças doces da cerimônia de casamento com Maya.

É exatamente a antimocinha de Sobhita Dhulipala o sal do filme. Misturando papéis em que desdobra textos tragicômicos como os da série “Made in Heaven” (2019) ou mais leves, mas ainda assim melancólicos, caso de “Chef” (2017), em “Um Corpo Desaparecido”, a atriz, um dos rostos mais conhecidos da Índia, é capaz de dar a profundidade dramática que um thriller assumidamente confuso como este demanda. A providencial reviravolta na transição do segundo para o terceiro ato, envolvendo Ajay e Ritu, a personagem de Vedhika Kumar, encaminha a trama para um encerramento sem condescendências, mas sempre coeso e robusto, equilibrando oscilações de rendimento no miolo, quando o detetive Rawal de Kapoor some da história.

Filme: Um Corpo Desaparecido
Direção: Jeetu Joseph
Ano: 2019
Gêneros: Mistério/Drama
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.