Apenas uma das duas partes do par de delinquentes de “A Mala e os Errantes” sabe exatamente o que quer e por que acabou se deixando envolver nas situações apresentadas pelo filme de Adam Leon, mas isso não é nenhum problema. Como um conto de fadas proibido para menores, sem nudez ou linguagem de baixo calão, mas pleno de insinuações, o diretor conduz a história sempre amparado pelas imagens que capta de uma Nova York que deveria ser mais valorizada pelo cinema, iluminada, solar, aspectos que a fotografia de Ashley Connor torna irresistíveis. O filme de Leon é cheio dessas e de outras sutilezas, algumas contempladas pelo roteiro, de Leon e Jamund Washington, mas muitas descobertas pelo espectador apenas a dada altura do enredo, depois que se toma alguma intimidade com o cenário, proporcionadas pela dupla de jovens atores que encabeçam todas as subtramas ao longo de parcos 83 minutos, que passam tão rápido e de modo tão deleitoso quanto um raio de sol pela primeira nuvem de uma tempestade que se estende para além do razoável.
Morgan Faust e Sara Shaw burilam a sensibilidade de Leon quanto aos muitos detalhes visuais. Numa das primeiras sequências, uma pequena despensa abarrotada de mantimentos e uma mesa repleta de guloseimas indica que alguém gosta de cozinhar numa casa simples, mas arrumada. Não chega a ser uma surpresa constatar que seja Danny o chef que prepara as refeições consumidas em melancólico silêncio com a mãe, Ola, de Mariola Mlekicki, uma polonesa que só se comunica usando o idioma natal. A figura do garoto doce e pacato vivido por Callum Turner poderia restar miseravelmente desperdiçada, mormente num filme tão breve, mas o diretor dá um jeito de quebrar o suposto esplim encarnado pelo mocinho de Turner aprofundando-se no conflito que paira sobre sua família como aquela tormenta. Mesmo preso, Darren, o irmão mais velho interpretado por Michal Vondel, continua a se meter em encrenca e para se ver livre do acossamento de um detento poderoso — e aproveitar para faturar algum — aquiesce em intermediar uma transação ilegal. Na verdade, como já se pode suspeitar, quem assume a bronca é Danny e a partir de então a outra variável da equação entra em cena.
Com muito mais quilometragem que o colega eventual, Ellie, de Grace Van Patten, vai ganhando a atenção do público à medida que os dois se unem a fim de encontrar a solução possível para a trapalhada a que Danny é levado pela imperícia, mas também pela vontade de dar cabo do enrosco que Darren lhe impusera o quanto antes. Os dois disparam no Altima vermelho emprestado por Scott, o tipo meio fanfarrão encarnado por Mike Birbiglia, e vão atrás da única pista que conseguem numa tentativa encarniçada de reaver o objeto que sustenta a trama num dos mais bem-sucedidos casos de MacGuffin do cinema — em que pese haver uma grave discrepância quanto a sua forma. Como não seria diferente, a descoberta do amor, tão puro que até prescinde de um beijo casto, deixa um pouco menos ordinária a vida desses vagabundos num filme despretensioso e adorável.
Filme: A Mala e os Errantes
Direção: Adam Leon
Ano: 2017
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10