Filme brasileiro na Netflix vai moer seu cérebro e desafiar sua imaginação Zeca Miranda / Divulgação

Filme brasileiro na Netflix vai moer seu cérebro e desafiar sua imaginação

O fio condutor de “Unicórnio” é um diálogo entre pai e filha em um lugar misterioso para os espectadores. Eles estão sentados em um banco de concreto em um lugar cercado por muros. Possivelmente uma prisão ou um hospício. Baseado em dois contos de Hilda Hilst, “Unicórnio” e “Matamoros”, e adaptados para as telas pelo roteirista e diretor Eduardo Nunes, o filme viaja por belas imagens através da memória de Maria (Bárbara Luz). Lento e com vários espaços vagos entre os diálogos, tornando o filme silencioso e contemplativo, as paisagens bucólicas parecem abstrações pela fotografia onírica de Mauro Pinheiro Jr.

A trilha sonora abusa de sons naturais e rudimentares, transformando os tilintares de sinos e agudos de instrumentos de sopro em notas de suspense, já que algo está acontecendo e não sabemos ao certo o que é. No enredo, Maria conhece um criador de cabras (Lee Taylor) que se aproxima de sua casa, em um lugar remoto, por causa do poço de água. Ele não aparenta ser agressivo, mas a mãe da adolescente (Patricia Pillar) o trata com desconfiança, à princípio. Depois, a presença do desconhecido se torna motivo para sorrisos, suspiros, insônia e sumiços.

Ainda sobre a fotografia de Pinheiro Jr., há um desequilíbrio proposital na exposição das imagens, já que alguns momentos as cenas estão muito claras e, em outros, muito escuras, indicando o pouco uso de iluminação artificial. Ele brinca também com o chiaroscuro, a luz e as sombras na tela, para indicar a ambivalência do ser humano.

Apesar de filmado em Petrópolis, há um mistério sobre quando e onde a história se passa. É como se em outra época, em outro país. Como os diálogos são escassos e aparentemente desconexos, a história se desenrola mais pelos olhares. É como se eles falassem pelos personagens, quando vagueiam pelo ambiente, quando olham com desconfiança um para o outro, quando parecem culpados. Os olhos são tão importantes para Eduardo Nunes, que há muitos closes neles. Na verdade, embora o espaço ao redor da casa de Maria seja bem amplo, um campo aberto, a maioria dos quadros são mais fechados, selecionando o que espectador vê.

“Unicórnio” é muito subjetivo e deixa para o público interpretar as intenções de suas personagens. Também se aproveita de metáforas para desenhar o amadurecimento de Maria, ora rasgando o ‘fruto proibido’, porque segundo ela é venenoso, de sua árvore de estimação, para remeter ao despertar da sexualidade; ora dando adeus a um unicórnio, como despedida do lúdico, da infância.

O filme de Eduardo Nunes é exotérico, misterioso, místico, contemplativo e subjetivo. Todos esses adjetivos podem ser usados para definir a obra do cineasta, que não se preocupa em enquadrar seu produto em gostos, gêneros e mercados. Nunes faz com a alma. Poderia ser mais curto que suas mais de duas horas de duração, mas, novamente, o cineasta não se preocupa em facilitar nada para o espectador. É um desafio de paciência, de imaginação e de intelecto. É preciso dar para as cenas seu tempo, dar para a história seu compasso.


Filmes: Unicórnio
Direção: Eduardo Nunes
Ano: 2017
Gênero: Drama
Nota: 8/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.