Segundo a abordagem de Jean-Paul Sartre, na relação amorosa o amante é pura fuga de si-mesmo em direção ao outro, no qual a liberdade daquele constitui-se como objeto para este. É, na verdade, uma recusa da pessoa que ama em reconhecer-se sujeito, alienando-se do seu papel enquanto indivíduo detentor de uma subjetividade. Em outras palavras, o ser-que-ama coloca-se para o outro como aquele que se compromete inteiramente e se experimenta como uma simples coisa a ser “possuída”, “apropriada” por uma transcendência absoluta que lhe fundamenta e lhe confere sentido.
E nessa busca incessante do amor, os casais geralmente se imaginam como seres que se alienam mutuamente. Como duas consciências que se fundem com vistas a que cada uma seja o objeto-limite da transcendência do outro. Que a subjetividade de um interfira na subjetividade do outro e, nessa intersubjetividade, cada qual consiga, portanto, salvaguardar a sua liberdade na liberdade do outro sujeito. Mas esse propósito, para o filósofo, não passa de ilusão e de um ideal contraditório, já que para o amante o amado só poder ser experimentado como subjetividade total e nunca como outro-objeto. De tal maneira que o amado estando impedido de alienar-se, porque detém a chave do ser do amante, é a ele que cabe a tarefa precípua de proceder à coisificação desse ser-Que-ama, tendo em vista contemplá-lo como puro ser-objeto em meio a outros objetos do mundo. A liberdade do amante é constrangida e a sua subjetividade se torna objeto de desejo de dominação do outro.
Nesse sentido, o amor tem como traço característico o flagelo e a desventura. O amor se revela fundamentalmente como auto-destrutivo. Isto porque quem ama perde a sua alteridade e é absorvido pelo outro como objeto perpetuamente transcendido, como objeto-instrumento, cumprindo o desejo do outro e, por conseguinte, deixando de ser o seu próprio eixo de referência subjetiva. Embora essa relação possa também se inverter, fazendo com que o outro se converta em algo semelhante, emergindo como instrumento utilizado por uma consciência alheia. Uma situação sem solução, pois que para este filósofo: “é essencialmente um logro e uma remissão ao infinito, posto que amar é querer que me amem, logo, querer que o outro queira que eu o ame. (…) Esta não procede, como geralmente se diz, da indignidade do ser amado, mas de uma compreensão implícita de que a intuição amorosa, enquanto instituição-fundamento, é um ideal fora de alcance”.
Assim, o principal aspecto a se destacar é para a impossibilidade de que o amor fundamente a liberdade de todos os envolvidos: tanto do amante quanto do amado. De um contexto, onde aquele que quer se livrar do domínio do outro é o mesmo que quer assumir o outro lado: o papel de dominador. Sendo essa contingência, portanto, insuperável no que tange ao amor romântico. De sorte que a convivência, mútua e recíproca, entre duas pessoas que se “amam” está realmente fadada ao fracasso, já que para Sartre, “a origem de minhas relações concretas com o outro: são inteiramente comandadas por minhas atitudes com relação ao objeto que sou para o outro”. Aqui, portanto, não há espaço para “uma fusão das consciências em que cada uma delas conservaria sua alteridade para fundamentar a outra”.
Em suma, a relação que estabelecemos com o outro (especialmente na questão amorosa) é de intenso conflito e marcada pela contradição. Para isso não existe saída, pelo menos para o filósofo Jean-Paul Sartre. Ou somos sujeitos reconhecidos em nossa liberdade para com o outro, ou ventríloquos manipulados por esse outro-sujeito. Conforme assinala o próprio filósofo: “A liberdade do amante, em seu próprio esforço para fazer-se amar pelo outro como objeto, aliena-se desaguando no corpo-Para-outro, ou seja, produz-se surgindo na existência com uma dimensão de fuga para o outro; é perpétua recusa de colocar-se como pura ipseidade, porque esta afirmação de si como si mesmo envolveria o desmoronar do outro como olhar e o surgir do outro-objeto, logo, um estado de coisas em que a própria possibilidade de ser amado desaparece, posto que o outro reduz-se à sua dimensão de objetividade”.