Eu viajava com meus pais. Estávamos na fila de embarque quando reparei, ao nosso lado, um pai entregando da livraria do aeroporto um livro de presente para cada filho adolescente. Os dois meninos estavam compenetrados, cada um em seu celular, brincando com algum joguinho. Os garotos nem ligaram muito para os livros, mas o pai insistiu e esperou que eles olhassem os presentes. Os meninos viram a capa, folhearam as páginas e, logo em seguida, guardaram os livros e continuaram com seus jogos.
Naquela hora, olhei para o meu pai e voltei quase 30 anos no tempo. Lembrei-me dos gibis e pacotes de figurinhas que ele me trazia. Então meus devaneios saudosistas foram interrompidos pelo choro do irmão caçula dos dois adolescentes. Não sei por que o garotinho de cerca de cinco anos chorava, mas assisti ao pai pegá-lo no colo, falar algo em seu ouvido e acalmá-lo.
Os pais são os heróis da nossa infância, sejam eles biológicos ou de coração. São eles que têm o poder de acalmar dores e fazer parar o choro. Aparecem no meio da noite para dizer que o pesadelo foi somente um sonho ruim. Sabem matemática — ou fingem que sabem — quando estamos perdidos em tarefas sem resolução.
Quem se torna pai ou mãe passa a admirar ainda mais os seus pais, pois descobre o amor incondicional que resiste como uma rocha aos tormentos da vida. Quando alguém sofre a dor de seu filho, entende o quanto os próprios pais foram corajosos e firmes para mantê-lo forte e confiante.
Porque, quando somos crianças, não sabemos que nossos heróis imbatíveis sentem medo e dúvidas, e que o escuro do quarto também os apavora de vez em quando. A criança não sabe que os pais choram e sentem dor. Não imagina que, mesmo doendo por dentro, eles aplacam as dores dos seus filhos como o super-herói do desenho animado que engole a dinamite e não se explode.
Agora adultos, enxergamos nossos pais com os mesmos olhos que eles nos protegiam, buscando confortá-los nos seus primeiros sinais do envelhecimento. Se antes eram eles que se levantavam no meio da noite e cantavam baixinho “dorme agora, é só o vento lá fora”, hoje nós os abraçamos para diminuir as suas dores da artrose, da solidão e da saudade.
Olhando aquele pai com seus filhos no aeroporto, virei para o meu e enxerguei a menina que ele pegava no colo. Suas brincadeiras de monstro que eu e meus irmãos adorávamos: ele se cobria com um lençol branco e saía correndo atrás da gente. Minha mãe ficava assistindo do sofá, às gargalhadas.
Algumas vezes, nossas vidas mudam e nos tornamos inseguros. Somos testados o tempo todo e por todo mundo. E, como somos adultos, temos que resolver nossos problemas. Mas quando o quarto esfria no meio da noite, sempre penso naquele beijo que a mamãe me dava para proteger o meu sono, e tenho certeza que a estrada que me leva à casa dos meus pais continua no mesmo lugar.
Eu estava prestes a embarcar quando entendi por que o menino chorava: seu pai embarcaria sozinho. Os meninos adolescentes abandonaram seus celulares por uns instantes e abraçaram carinhosamente o pai que partia. O filho mais novo passara para o colo de uma mulher, provavelmente a mãe, e dizia adeus com sua mãozinha que esparramava pelo ar o sentimento da despedida.
Nunca estamos preparados para perder nossos pais, não importa a nossa idade. Nelson Gonçalves cantou “naquela mesa tá faltando ele, e a saudade dele tá doendo em mim” para aliviar a dor de um filho ao olhar para a cadeira vazia onde seu pai se sentava e contava suas histórias. É que a ausência de um pai ou uma mãe permanece dentro da gente, como uma mesa no canto ou um jardim sem flores, como um abraço de adeus no aeroporto.