Há muito tempo que a humanidade sonha com o fim do mundo. Como se quisesse, inconscientemente ou nem tanto, desobrigar-se dos compromissos e atribuições que impendem sobre ele, representante da espécie supostamente mais evoluída da Criação, o homem dedica-se com afinco a seu propósito de destruir tudo quanto pode e o mais breve possível, sem ter a menor pretensão de refazer coisa alguma. Filmes a exemplo de “Os 12 Macacos” deixam claro nosso desassombro com o tal apocalipse, como se esse fosse mesmo a sorte com que temos de nos conformar a despeito de contarmos com todas as ferramentas a fim de, quiçá, fazermos do que nos resta uma promessa de redenção. Terry Gilliam e os roteiristas David Webb Peoples e sua mulher, Janet Peoples, encarnam com gosto a função de profetas do caos numa história levada à tela quase trinta anos atrás, e a atualidade do argumento central — tomado com uma ênfase catastrofista até ingênua se vista em contraposição a todas as idas e vindas do homo sapiens ao longo desses 27 anos — decerto é seu grande predicado.
Gilliam saca de uma medida muito bem calculada do cinismo que marcou as produções da franquia “Monty Python”, decisivas em sua carreira, para ratificar o deboche e o pouco caso com que assuntos cada vez mais urgentes são tratados, sem, contudo, prescindir desse mesmo humor quase insano, meio repulsivo, que denota uma descrença em nos dias melhores que de quando em quando alguém apregoa. Numa introdução um tanto confusa, fica-se sabendo que pacientes psiquiátricos do Hospital Municipal de Baltimore tinham uma certa fixação com pragas de alcance mundial e esse fragmento, deixado para a posteridade em 12 de abril de 1990, presta-se a embasar todo o filme. Sutilezas desse gênero, que orbitam com desenvoltura entre o real e o eminentemente fantasioso, até impossível, dão azo a boas sacadas do diretor, um fã assumido de tramas apocalípticas, assunto sobre o qual já se debruçara em “Brazil — O Filme” (1985).
Os cinco bilhões de pessoas afetadas por um virus muito mais letal que o HIV — não exatamente uma novidade em 1995, mas envolto por uma nuvem de ignorância e preconceito muito mais espessa da que o cerca ainda hoje — oscilam entre o cenário de poucas variações de uma morte lenta e sofrida e a paranoia dos esquizofrênicos representados por Cole, o novo interno vivido por Bruce Willis. O encontro com Jeffrey Goines desencadeia em Cole as lembranças com que Gilliam pontua a narrativa a partir de então, todas em maior ou menor grau vinculadas à vida do protagonista depois de um grande trauma, no qual Goines, interpretado por um Brad Pitt numa escalada cada vez mais segura rumo à maturidade artística e sempre muito bem nesses papéis malditos, parece ter participação fundamental. Depreende-se que os dois desempenharam funções de vulto na ciência de seu tempo — Cole no passado; Goines, no futuro —, mas um grande fracasso concorreu para que acabassem se cruzando, e a entrada em cena de Kathryn Railley, a cientista de Madeleine Stowe, é o elemento dramático que faz a história ainda mais saborosamente tumultuosa, com viagens no tempo, elefantes que desfilam pelas ruas, mas a subtrama a respeito de criaturas mais evoluídas que o homem vivendo em abrigos subterrâneos resta perdida. Em meio a tanta loucura, não faz falta: “Os 12 Macacos” é o típico filme sobre um futuro de esperanças mortas, e nisso o enredo tem muito a oferecer.
Filme: Os 12 Macacos
Direção: Terry Gilliam
Ano: 1995
Gêneros: Ficção científica/Drama/Suspense
Nota: 8/10