Romance filosófico com Joaquin Phoenix na Netflix é um dos mais belos filmes de todos os tempos Divulgação / Warner Bros

Romance filosófico com Joaquin Phoenix na Netflix é um dos mais belos filmes de todos os tempos

Às vezes o cinema não é uma mensagem para o mundo, mas uma comunicação entre filmes. É isso mesmo que você leu. Nem sempre o diretor está tentando se comunicar com o público, algumas vezes está dialogando com outra obra. É o caso de “Ela”, filme escrito e dirigido por Spike Jonze, lançado em 2013 e protagonizado por Joaquin Phoenix. Por enquanto, essa é a maior obra do cineasta, que ganhou o Oscar de melhor roteiro original.

O longa-metragem conta a história de Theodore (Phoenix), um redator de cartas que já está há um ano sem viver com sua mulher (Rooney Mara), mas mesmo assim ainda não teve coragem de assinar o divórcio. Solitário e deprimido, ele compra um sistema operacional que promete oferecer ao cliente uma inteligência artificial completamente autônoma e intuitiva. É quando ele conhece Samantha (Scarlett Johansson), a voz por trás do sistema operacional, com quem estranhamente desenvolve diálogos íntimos e românticos. De repente, a presença invisível, porém audível de Samantha, traz um novo frescor de vida para Theodore.

A fotografia de Hoyte Van Hoytema leva tons pastéis e, apesar de se passar em uma espécie de futuro próximo, onde as pessoas nas ruas e estações de metrô estão conversando com seus fones de ouvido, mistura uma estética setentista com arquitetura futurista. O filme foi filmado em Xangai e em Los Angeles e as cenas do apartamento se passaram todas dentro de uma locação real no 34º andar de um prédio, que para ficar bem iluminado, Hoytema pediu para que as janelas fossem mudadas de lugar e espelhos fossem instalados em um heliporto de um arranha-céu vizinho.

Mas além dessas especificidades técnicas, vamos voltar para o fato de que o filme de Jonze se comunica com outro filme. Talvez você não saiba, mas o cineasta foi casado com, a também diretora, Sofia Coppola. Eles se divorciaram em 2003 e, à época, ela lançou uma de suas obras mais prestigiadas, “Encontros e Desencontros”, que também ganhou o Oscar de melhor roteiro original. O enredo gira em torno de uma amizade improvável entre um ator decadente e a esposa de um fotógrafo que está a trabalho no Japão. Eles se conhecem em um hotel de Tóquio e imediatamente se identificam, porque se sentem solitários e perdidos de sua própria identidade. A protagonista, vivida pela também estrela de “Ela”, Scarlett Johansson, se sente isolada em um casamento em que seu marido parece ocupado e distante demais emocionalmente.

O filme de Coppola, embora seja ficção, é um desabafo sobre como ela se sentia dentro de seu casamento com Jonze. Era como se ele fosse impermeável e inacessível. O casamento acabou, “Encontros e Desencontros” foi lançado e, dez anos depois, Jonze se sentiu pronto para falar do divórcio com Coppola sob seu ponto de vista. É aí, então, que ele lança “Ela” como uma resposta para o filme da ex-mulher. Theodore é como uma personificação dos seus sentimentos e de como superou a separação.

Os flashbacks entre Theodore e Catherine, a ex-mulher, são quase sempre etéreos, deixando óbvia uma melancolia e, ao mesmo tempo, uma disposição para deixar as coisas bem. É como se Jonze dissesse que ainda ama Sofia e a vê como uma amiga. Em um diálogo entre Theodore e Catherine, ela diz: “Sinto como se você quisesse que eu fosse uma dessas donas de casa felizes de Los Angeles. Eu não sou assim”. Ele responde: “Não era isso que eu queria”. É difícil não imaginar que esse diálogo não tenha ocorrido na vida real entre Jonze e Coppola. Quando ele conta que está namorando um sistema operacional, ela diz: “Você sempre quis um relacionamento superficial, sem as complexidades de uma pessoa real. Não é de se espantar que esteja namorando um computador”. Embora ele discorde dela, o diálogo faz Theodore pensar sobre essa nova relação. E, talvez, exista algo sobre essa geração que realmente repila expor suas emoções.

“Ela” é um desabafo, um diálogo cinematográfico e um comentário filosófico. É um filme sobre os limites do amor, sobre a projeção e idealização das pessoas por quem nos apaixonamos, a construção dos relacionamentos, as dificuldades do desapego emocional após uma separação e sobre a possibilidade de, em um futuro não muito distante, os homens e mulheres se relacionarem com máquinas e como isso vai afetar nossa sociedade emocionalmente e fisicamente.

“Ela” é indiscutivelmente uma obra-prima com uma profundidade filosófica para infinitos debates. Um filme comovente, enriquecedor, reflexivo e que nos faz confrontar nossas próprias emoções de maneira assustadoramente incisiva.


Título: Ela
Direção: Spike Jonze
Ano: 2013
Gênero: Drama/Romance
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.