Santo remédio para elevar o astral, comédia romântica da Netflix vai melhorar seu final de semana instantaneamente JoJo Whilden / Netflix

Santo remédio para elevar o astral, comédia romântica da Netflix vai melhorar seu final de semana instantaneamente

O tempo avança, mas as promessas de felicidade que se esboroam no primeiro vendaval mais forte parecem nunca ser tristeza para ninguém. Reconhecemos nossas fraquezas, mas nem sempre conseguimos nos livrar do que nos debilita, e nisso a experiência nem sempre ajuda. Valendo-se do inegável poder dos chavões, “Na Sua Casa ou na Minha?” compõe um retrato um tanto melancólico, mas sem dúvida fidedigno de mulheres e homens que, acusando o golpe traiçoeiro do passar dos anos — por mais que não admitam nem para si mesmos —, começam a engendrar mil planos a fim de vencer o medo da vida como ela é, à guisa de crianças malcriadas esperneando por causa de um mimo a que não têm direito. Aline Brosh McKenna, a diretora, é hábil quanto a contornar as facilidades de um roteiro que poderia virar uma xaropada intragável caso não fosse pontuado por diálogos entre mordazes e saborosamente tolos em situações ora plenas de realismo, ora íntimas da farsa, mas que quase sempre tendem para soluções de um superficialismo constrangedor.

A introdução cansativa, de que se poderia fácil e convenientemente prescindir às custas de uma ou outra citação nas falas dos personagens, torna-se quase insuportável com a inserção dos cards que descrevem os elementos cênicos e pormenores da caracterização dos atores, uma referência aos estertores da década de 1990 e início dos anos 2000, com menções a cabelos alisados à chapinha, bonés de caminhoneiro e correntes como itens que configuram o estilo de uma garota, mas tedioso assim mesmo. Suportado o calvário, a narrativa adquire as cores mais afetas à vida real, e de 2003 a história salta para os nossos dias, com os dois protagonistas no mesmo quadro, partilhando a cama; um corte seco depois e se vê que Peter e Debbie estão cada qual no seu próprio espaço, ele num portentoso loft em Manhattan, no centro de Nova York, ela numa casa algo descuidada numa das exigentes colinas de Los Angeles. Peter, o advogado influente e cheio da grana vivido por Ashton Kutcher, emenda romances de uma noite sem nenhuma cerimônia e, ao que o texto de McKenna deixa transparecer, não larga pelo caminho nenhum rastro de sangue dos corações que destroça. Especialista em encerrar casos, nos tribunais e com as mulheres, o fim de seu namoro de seis meses com a colega interpretada por Vella Lovell numa participação relâmpago, mas decisiva, o leva a reavaliar alguns pontos do homem que se acostumara a ser. É o momento em que a diretora saca o argumento central, nada a ver com a reputação de garanhão que encanta garotas em mesas de bar e foyers de museus e as conduz para um sexo fortuito e um tanto promíscuo insinuado pelo título. A partir de então, Peter e Debbie, a pacata inspetora de um colégio de ensino fundamental, requentam a amizade de vinte anos, com as consequências para as quais já estamos todos preparados.

Witherspoon encarna como poucas as desilusões e o vazio da mulher em quadras aleatórias da vida, por motivos os mais amplos. Isso se comprova em “Livre” (2014), levado à tela por Jean-Marc Vallée (1963-2021), “Johnny e June” (2005), quando foi dirigida por James Mangold e ganhou o Oscar de Melhor Atriz, e até “Legalmente Loira” (2001), de Robert Luketic, ou “Segundas Intenções” (1999), de Roger Kumble, por que não? Neste trabalho, a eterna Annette Hargrove prova-se artisticamente ousada e derruba boa parte dos reducionismos da mulher de meia-idade (sim, o tempo passa) bonita, mas insegura; feliz, mas numa existência meio limitada; e maleável às constantes metamorfoses do tempo e dos costumes, mas também conservadora. A reviravolta possível de “Na Sua Casa ou na Minha?”, relacionada a Jack, o filho de Debbie a que o excelente Wesley Kimmel dá vida, não se concretiza, mas serve que ela e Kutcher, previsível como sempre, batam uma bola redonda, mediados pelas subtramas em que Kimmel rouba a cena. O desfecho à “Amor sem Escalas” (2009), de Jason Reitman, sugere um final feliz, e nos conformamos, afinal, a vida não é nada de mais mesmo. Mas tem muitas surpresas.


Filme: Na Sua Casa ou na Minha?
Direção: Aline Brosh McKenna
Ano: 2023
Gênero: Comédia romântica
Nota: 7/10