Meninas e meninos, eu li: “A Elegância do Ouriço”, de Muriel Barbery. Chegou com muitas recomendações, mas se revelou um livro hipócrita e complacente. Fez muito sucesso na época do lançamento. Consigo entender os motivos. É um daqueles best-sellers sazonais que se vendem como sendo socialmente engajados e filosoficamente sofisticados, estilo “O Pintassilgo”, “A Cabana” ou “Quando Nietzsche Chorou”. Por esse ponto de vista, é até bem-sucedido. Entrega para o público-alvo o que ele espera.
Mas qualquer olhar mais atento revela suas gritantes falhas narrativas. Personagens que aparecem e desaparecem sem nenhum propósito, desperdício de ganchos narrativos, personagens tomando atitudes incompatíveis com o perfil até então apresentado e coisas do tipo. Mas isso não é nada perto do discurso “justiceiro social de Centro Acadêmico Universitário” que impregna o texto. Faço votos que a ingenuidade exibida seja voluntária e não involuntária.
São duas protagonistas narradoras: uma senhora de meia-idade e uma pré-adolescente. A pré-adolescente possui a desculpa da pouca idade para justificar sua soberba, chatice e certeza de que é melhor do que todo mundo ao mesmo tempo em que se considera muito humilde e injustiçada.
Esconde sua pretensão de genialidade como se todo mundo estivesse muito interessado. A senhora, em seus cinquenta e poucos anos, não tem desculpa. Trabalha como zeladora em um prédio de alta classe de Paris, culpa o mundo por suas opções de vida e acha que todos estão muito interessado nos livros que lê ou deixa de ler. Acha que precisa esconder que gosta de literatura, cinema de arte e música erudita. A pior arrogância é aquela que se reveste de humildade. Imagino que ela nunca pegou um metrô em Paris, onde, pelo menos até recentemente, pelo menos um quarto das pessoas estão lendo.
O final estilo “Hora da Estrela”, diferente do grande livro de Clarice Lispector, é covarde e vazio. A impressão que tenho é que se o mesmo enredo tivesse sido desenvolvido por uma carpintaria literária mais consistente poderia ser um grande livro. O mote é bom. Apostaria no Milan Kundera. Mas do jeito que ficou, deixa a sensação de que seu único objetivo é fazer com que os leitores leiam e pensem: “eu sofro as mesmas injustiças que as narradoras, como o mundo é cruel e banal e como eu sou consciente e sofisticado”. Bom truque, mas esse ouriço não me engana. Faltou elegância.
Livro: A Elegância do Ouriço
Autor: Muriel Barbery
Tradução: Rosa Freire d’Aguiar.
Páginas: 350 páginas
Editora: Companhia das Letras
Nota: 6 /10