Há ilustres antecedentes para o thriller espanhol “Infiesto” (2023, Patxi Amezcua). A distopia premonitória de “Os 12 Macacos” (1995) ambienta em 2035 a devastação provocada por um vírus, o que acontece uma década e meia antes, em 2021, cenário de “Infiesto”. E a ampla contaminação do crime no tecido social faz parte em “Infiesto” da linhagem que produziu a brilhante série “The Killing”, adaptação da dinamarquesa Forbrydelsen, onde um psicopata provoca matança de adolescentes.
É direta a sintonia entre a pandemia e a mortandade criminosa dos jovens por parte de adeptos de rituais ancestrais de tortura e sacrifícios humanos. O filme não diz, mas a versão de que a covid foi provocada em laboratório se reporta ao plano de envolvidos em sequestros que, como em “The Killing”, vai revelando sua dimensão assustadora até chegar ao escabroso espetáculo de centenas de desaparecidos jogados mortos num pântano.
Outro antecedente é o gênero clássico de filmes policiais, com a dupla de detetives (Isak Férriz e Iría del Río) cheios de problemas pessoais e que por agirem no front da investigação acabam trombando com seus superiores. É claro que no momento da punição o policial acaba descobrindo tudo, levando ao desfecho do duelo final com o Profeta, o autor dos crimes e ex-preceptor de adolescentes que se desvia criminosamente do seu ofício.
As cidades e estradas vazias onde trafegam apenas os carros policiais, pontuam nas paisagens nuas que funcionam como armadilhas, onde se escondem os bandidos que cumprem as ordens do Profeta.
A profecia que virou gênero cinematográfico com inúmeros exemplos é aqui apresentada à realidade. O impacto é medonho. Pois o desastre não pode ser atribuído à teleológica lenda do Apocalipse anunciada em textos sagrados, mas a algo mais prosaico e aterrador. O castigo não vem do alto por ordem de um deus e executado por seus prepostos, mas esteve sempre conosco, ao nosso lado. Nós criamos o vírus, distorcemos a ciência, somos nossos próprios verdugos. E os assassinos de jovens parecem pacatos habitantes do interior, só que se revelam monstros.
Em “Infiesto” foi preciso descer às catacumbas de uma mina abandonada para descobrirmos que decretamos o fim do mundo como destino humano. Só que essa revelação tira do acaso os motivos do massacre e o coloca em nossas mãos. É possível portanto mudar o roteiro da destruição. Se somos os responsáveis pelo final dos tempos então temos uma chance de impedir que ele se apresente como irreversível. Se o mundo está infestado por nossa obra, poderemos convocar as forças para a cura.
Filme: Infiesto
Direção: Patxi Amezcua
Ano: 2023
Gênero: Suspense
Nota: 10/10