Desligue o cérebro e pegue um pouco de pipoca, Thriller de ação na Netflix vale algumas horas do seu dia Suzanne Tenner / Screen Gems

Desligue o cérebro e pegue um pouco de pipoca, Thriller de ação na Netflix vale algumas horas do seu dia

Forças as mais misteriosas e sinistras agem sobre a vida de cada homem, do momento em que abre os olhos para a luz do mundo até a sua derradeira hora, e se não nos tornamos todos os monstros que nunca deixam de habitar o mais fundo de nossa natureza é só porque colocamos em prática, ajudados pelo ente superior batizado com nomenclaturas diversas a depender da freguesia, as medidas que garantem alguma ordem em meio ao ubíquo caos da existência. Nem é preciso dizer que alguns fogem ao que se espera, e é sobre eles que “Ladrões” dedica boa parte de seu enredo. Esses tipos frequentam os filmes desde os primórdios do cinema, despertando simpatia e asco, mas quase sempre revestidos da aura de glamour que faz suas vidas parecerem desejáveis. John Luessenhop reforça o lugar-comum e enaltece o charme dos delinquentes que arrancam manifestações de aceitação e de regozijo do espectador, colocando na roda a dada altura a presença da lei sob a forma de tiras especialmente incomodados com a farra, um ainda mais que o outro.

O roteiro de Luessenhop e um trio de colaboradores perpassa um bom pedaço do submundo de Los Angeles, a começar pela máfia haitiana, usada pelo diretor-roteirista com uma ilustração ligeira para o que acontece na Cidade dos Anjos que o cinema não mostra, ou mostra de uma forma chapada, sem nuances, dando a impressão ou de ser tudo um paraíso que teima em resistir ou uma ruína moral sem conserto. À medida que a história cresce, vai se notando uma tentativa de se emular a obra de Michael Mann, um dos mestres do gênero por dominar como poucos a alquimia de se compor uma trama que valoriza o comedimento e o realismo que, malgrado teatral, vale-se de um curso mais fluido, mais orgânico, mais próximo do que o público é capaz de absorver. Mann, que faz oitenta anos neste 5 de fevereiro, trabalha a eterna dicotomia entre bem e mal, dando a entender, acertadamente, que um não vive sem o outro, até que vira a chave e dá às coisas seus verdadeiros nomes. É o que acontece em “Inimigos Públicos” (2009) e “Fogo contra Fogo” (1995), por exemplo.

Luessenhop trabalha numa outra frequência. Os atrevidos criminosos de “Ladrões” vão passando ao largo da cadeia mesmo depois de anos sendo perseguidos pelo Departamento de Polícia de Los Angeles, representado pelo detetive Jack Welles vivido por Matt Dillon e seu parceiro Eddie Hatcher, de Jay Hernandez. Os dois foram destacados para, afinal, dar um jeito na quadrilha liderada por Gordon Cozier, de Idris Elba, que também parece cansado de guerra e planeja uma aposentadoria em alto nível com a subtração de vinte milhões de dólares do cofre do banco mais recheado da Califórnia. A evidente sensação de que tudo há de correr sem grandes impedimentos e a quadrilha — que também conta com a inteligência arrojada de John Rahway, personagem de Paul Walker (1973-2013) e a bravura inconsequente de Jesse Attica, de Chris Brown — conseguirá sair pela tangente mais uma vez e desfrutar da fortuna surrupiada sem contratempos perdura, sendo combatida no último segundo, graças a uma solução deus ex machina bastante artificiosa.

Naturalmente, o filme conta com aquelas passagens que mitigam o desperdício de tempo, como no momento em que o diretor esmera-se por dar alguma substância dramática ao vilão de Elba e inclui Marianne Jean-Baptiste na pele de Naomi, a irmã viciada, sempre ótima, mas o arco da subtrama resta perdido pelo caminho. No mais, “Ladrões” é uma pedida para aficionados pelo gênero, em especial para os que têm bom repertório cinematográfico e levam na esportiva as incongruências de Luessenhop.


Filme: Ladrões
Direção: John Luessenhop
Ano: 2010
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.