Um filme de Michiel van Erp, “Em Busca de Mim” é baseado no livro autobiográfico da escritora holandesa Saskia Noort. De acordo com a autora, a história mistura fatos de sua vida com alguns elementos ficcionais. Ou seja, nem tudo deve ser levado ao pé da letra aqui. De toda forma, separando ou não o que é real e o que não é, o roteiro é pesado, forte e assustador.
Tanto o livro quanto o filme acompanham a vida de Sara (Elise Schaap), uma mulher recém-divorciada que se inscreve em um retiro espiritual em uma ilha vulcânica na Itália. Lá, ela é forçada a confrontar dores de seu presente e traumas do passado para poder fazer as pazes com quem ela é. À princípio, percebemos que Sara é uma mulher na casa dos 40 anos, em busca de sexo com estranhos e que tem um relacionamento conturbado com sua filha de 14 anos. A menina se nega a atendê-la no telefone e a lembra constantemente que a odeia e que gostaria que ela estivesse morta.
Sara aparenta, à todo momento, estar infeliz e vazia, em busca de uma ressignificação para sua existência e ansiando por uma reparação com a filha. Flashbacks de sua própria adolescência vai deixando pistas para os espectadores do que é que a feriu tão gravemente para torná-la uma mulher que claramente detesta a si própria. Um vídeo enviado pela filha a lembra de um episódio escandaloso, em que Sara expulsa o namorado da menina de sua festa de aniversário, causando constrangimento público.
Ainda não fica muito claro os motivos pelos quais Sara fez aquilo. Aparentemente, ela é uma pessoa emocionalmente desequilibrada, mas há algo de mais doloroso e profundo ali, que vai se revelando aos poucos. Só fica nítido quando é questionado, na frente dos outros residentes do retiro, por uns dos gurus, Jens (Christian Hillborg). Sara, quando tinha a idade da filha, foi vítima de estupro. A violência sofrida ficou, assim como em qualquer outra vítima desse tipo de agressão, marcada em seu corpo e alma para sempre. Para Sara, o evento se tornou um fator determinante para suas decisões, que culminaram em sua atual vida depressiva e caótica.
Enquanto está no retiro, os traumas passam a atormentá-la com maior clareza e constância. Sara tenta a todo momento desistir do tratamento espiritual, mas há algo que a mantém ali. É o desejo de recuperar sua vida e, principalmente, sua filha. Em uma sessão final, é realizado um tipo de constelação familiar, em que os outros residentes interpretam Sara, seus pais, o marido e o estuprador.
As cenas são intensas, assim como a sessão é para Sara. O filme pode ser um gatilho para vítimas de agressão sexual, portanto, é preciso cuidado ao se propor a assistí-lo. Enquanto a constelação é feita, Sara relembra a noite da violência e nós assistimos a tudo, como um flashback. Há uma mistura de nojo, revolta, tristeza e medo que se transmite da protagonista para nós, espectadores. Saboreamos aquele gosto amargo de uma experiência que não se pode apagar.
As belas paisagens da ilha italiana são mostradas em baixa exposição e muitos contrates, porque há uma relação entre a fotografia e a emoção da personagem, que é obscura, triste e decadente, apesar de bela e sensual. Sara não consegue se enxergar como uma pessoa de valor. É preciso encarar suas dores mais profundas para compreender que não teve culpa por seu passado e de que sua filha não é ela própria. “Em Busca de Mim” é um filme doloroso de ver, visceral. É uma produção que revira a gente do avesso, mas atrai com um magnetismo incrível e emocionante.
Filme: Em Busca de Mim
Direção: Michiel van Erp
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 8/10