Há poucos indícios de que “Felon” passará a ser o espetáculo kitsch de pancadaria entre marmanjos hipertrofiados, esforçando-se por sufocar a tensão sexual que os envolve como a membrana que mantém viva uma célula doente, depois da introdução melosa, meio farsesca, em que um casal troca juras de amor e se arrisca a fazer os planos banais que fazem os que se gostam. Ao longo da carreira, Ric Roman Waugh foi apurando seu olhar sobre a questão carcerária nos Estados Unidos, e este seu trabalho, de 2008, oferece muitas das respostas para que alcancem as conclusões pertinentes a que qualquer um pode chegar tomando pé de informações elementares, algumas citadas de modo bastante incisivo por Waugh. O diretor apressa-se em desmantelar toda esperança acerca de milagres como regeneração, reeducação, recomeço, apresentando o drama de seu protagonista, esse homem que sonha em montar o próprio negócio, quitar a hipoteca da casa, ver o filho criado, mas colhido pelo inesperado da vida de uma maneira tragicômica.
Se não capturasse a atenção de plateias as mais heterogêneas, as histórias contadas por Waugh não atravessariam os anos a desfrutar de uma perversa — e inacreditável — atualidade. Rodado na Penitenciária Estadual do Novo México, nas cercanias de Santa Fé, centro-oeste dos Estados Unidos, “Felon” remonta a um evento real, e o diretor-roteirista inspira-se na crueza do que leu e ouviu a respeito da fama da unidade a fim de levar seu filme a bom termo, esquivando-se o máximo possível do sensacionalismo, mas rendendo homenagens a uma violência galopante, que não tarda a virar a principal atração desse circo de horrores. A chacina tácita escondida por trás das grossas paredes das celas no transcurso da primeira metade da década de 1990 permaneceu distante da opinião pública até 1996, quando o “The Los Angeles Times” apontou seus holofotes para a barbárie que vitimava cidadãos como Wade Porter, condenado por ter investido contra um ladrão que entrara em sua casa. Porter, vivido por um Stephen Dorff comoventemente dedicado, até tentara livrar-se do castigo desmesurado contratando advogados de elite, mas vai mesmo parar no endereço menos nobre do Novo México, visitado de tempos em tempos pela mulher, Laura, de Marisol Nichols, cada vez mais vez desalentada.
Waugh é engenhoso ao ir plantando ao longo da narrativa os elementos que hão de confirmar a sina de seu personagem central, motivando na audiência a reflexão sobre quem na verdade está certo ou errado. Numa das inestimáveis sequências de enfrentamento entre os detentos, o diretor consegue transmitir a angústia de Porter, compelido a integrar uma gangue neonazista para manter-se vivo. Nesse momento, é mostrada sem cortes a real filosofia que sustenta todo o arcabouço penal da América, que em estando corretos os dados exibidos na tela negra no último lance de “Felon”, aponta para uma população carcerária de mais de dois milhões e meio de presos — há uma flagrante discrepância nessa equação, já que se fala num aumento semanal de mil novos presos e hoje o número resta praticamente inalterado. Os custodiados são divididos não de acordo com a gravidade de seus delitos ou as possíveis conexões que possam ter preservado na rua, mas segundo a cor de sua pele. O que justifica, em parte, a renitência do racismo estrutural americano. Um mal cuja cura mais que indesejada para muitos parece mesmo matematicamente impossível.
Filme: Felon
Direção: Ric Roman Waugh
Ano: 2008
Gêneros: Drama/Policial
Nota: 8/10