Novo filme da Netflix, com Eddie Murphy, é a comédia mais vista do mundo em 120 países Tyler Adams / Netflix

Novo filme da Netflix, com Eddie Murphy, é a comédia mais vista do mundo em 120 países

Em “Entrando Numa Fria”, Ben Stiller e Robert DeNiro trazem para o terreno da comédia o grande problema que é quando se tenta misturar as diferenças sociais e culturais de duas famílias completamente distintas por meio do casamento. Quando duas pessoas se unem, é como se dois planetas colidissem. O que sobra dessa explosão cósmica pode ser um mundo completamente novo e diferente ou apenas poeira e fragmentos estelares. Nunca se sabe o que vai surgir dali, mas uma coisa é certa: é um evento traumático. Em “Certas Pessoas”, Jonah Hill e Eddie Murphy tentam abordar o mesmo tema por meio de um casamento interracial.

Não é novidade que mundo tem dívidas impagáveis com negros e judeus. Há um terreno arenoso e delicado sempre que vai se falar sobre escravidão e Holocausto. É impossível uma pessoa branca tentar encontrar as palavras certas para tentar se provar antissemita ou antirracista, porque há uma linha muito tênue entre falar disso e soar exatamente antissesmita e racista. E é aí, nessa areia movediça, que Jonah Hill e Kenya Barris encontram ingredientes para sua comédia.

Jonah Hill interpreta Ezra, um playboy judeu que pode simplesmente deixar o emprego no mercado de investimentos e se dedicar a um podcast com uma amiga. Esse é seu nível de privilégio. Ele é de uma família branca e judaica, fascinado em cultura hip hop e seu maior problema é não encontrar a garota certa para lhe arrancar da solidão. Carente, ele tenta de encontro em encontro com garotas brancas e judias achar sua cara-metade. Mas é quando conhece Amira (Lauren London), uma garota negra, que seu mundo se torna um lugar mágico e feliz.

Para o azar de Ezra, existe o mundinho dele e de Amira, na solidão de seu apartamento, ao som das suas canções favoritas de R&B e de seus tênis Nike Air. O lugar romântico que parece perfeito e inabalável. Mas também existe o mundo real. Aquele lá de fora, onde vivem as pessoas comuns, as diferenças sociais e os preconceitos. Quando decidem se casar, eles precisam sair para esse mundo real e externo e aprender a conviver com suas famílias e amigos, que são pessoas completamente diferentes.

Então, é quando as diferenças culturais entre eles começam a pesar na relação. Embora tentem parecer modernos e evoluídos, os pais de Ezra constantemente tratam Amira como um bibelô. Enquanto isso, o pai dela, Akbar (Eddie Murphy), está constantemente pronto para tentar desmascarar ou ridicularizar Ezra na frente dos outros. Em um jantar entre as duas famílias, a mãe de Ezra, Shelley (Julia Louis-Dreyfus), e Akbar entram em uma disputa sobre quem foi mais tripudiado em suas histórias terrenas, se os negros ou judeus. Diante dos constantes confrontos familiares e das interferências dos pais na relação, Ezra e Amira precisam fortalecer seu amor ou desistir de vez de ficar juntos.

Com muita picância e abuso dos estereótipos, “Certas Pessoas” brinca com a geração millennial, onde a cultura hip hop é moda e bonita, desde que esteja vestida em corpos brancos, mas é marginalizada e oprimida em corpos negros. Também mexe com os famosos tiozões da família, sempre prontos para despejar alguma baboseira racista quando tentam parecer descolados e evoluídos. Alguns críticos do filme reclamam que o roteiro se baseou em caricaturas rasas e que as pessoas lá fora são mais inteligentes que isso. Acredito que, claramente, essas pessoas estão vivendo em bolhas se acham que o tiozão do pavê deixou de existir. Há mais gente inconveniente e real do que imagina nossa vã filosofia e “Certas Pessoas” sabe disso.

Se está em busca de uma sátira social divertida e ácida, esse é muito provavelmente o filme que você precisa.


Filme: Certas Pessoas
Direção: Kenya Barris
Ano: 2023
Gênero: Comédia / Romance
Nota: 8/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.