Quase sempre, foi por meio dos enfrentamentos entre forças inimigas que a humanidade viu nascer seus grandes heróis, homens e mulheres que se vestiram da aura de personalidade da história graças a um desempenho de coragem memorável ao longo de uma série interminável de batalhas. Entretanto, o homem se deixa inebriar pelo cheiro de pólvora queimada, encanta-se pelo crepitar do aço dos canhões e prefere renunciar à diplomacia e resolver suas pendências valendo-se da força quando uma conversa franca — e uma generosa dose de boa vontade de lado a lado — trataria de evitar conflitos que, frequentemente, começam por causa de mal-entendidos que rompem a fina barreira da civilidade e deságuam em banhos de sangue que afrontam a própria razão. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU), fundada na esteira do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, para mediar conflitos armados e ajudar em possíveis negociações de paz, estimam em trinta as zonas de guerra no mundo hoje, a maioria casos de disputas de território provocadas por desavenças religiosas, tentativas de subjugação de uma etnia sobre outra ou a afirmação da soberania acerca de recursos naturais.
O que acontece na Líbia desde 15 de fevereiro de 2011 reúne o que pode existir de verdadeiramente absurdo na natureza humana quando se trata de analisar as raízes de confrontos que se arrastam pelo tempo. Quatro décadas antes, em 1° de setembro de 1969, a Líbia também flagrava-se numa quadra muito delicada de sua história, com a ascensão de Muammar Gaddafi (1942-2011) ao poder, e é forçoso lembrar que o então jovem oficial, formado pela Academia Militar do país, conhecido pelo gosto por tudo que de mais refinado o Ocidente produzisse, dos charutos cubanos de Fidel ao legítimo champanhe francês, só tornou-se o soberano líbio por 42 anos graças aos delírios de grandeza de Idris 1° (1890-1983), emir da Cirenaica e rei da Líbia, tão descolados da realidade precária do povo que deveria socorrer que terminaram por despertar nesse povo a força de que careciam para o levante, patrocinado pelas Forças Armadas do país. Idris 1° deixou o poder sem que uma guerra civil tomasse vulto e exilou-se no Egito, presidido por Gamal Abdel Nasser (1918-1970). Não tardaria para que o Egito seguisse o mesmo caminho.
“13 Horas: Os Soldados Secretos de Bengazi” não vê motivo para retroceder tanto, ainda que explique a situação da Líbia neste começo de século 21. Michael Bay dá a sua versão para os eventos cheios de reviravoltas quase infinitas que atiraram o país no fosso de caos e infortúnio em que se encontra até então, sina que divide com a maioria dos países árabes do Oriente Médio — Iraque, Afeganistão e Síria, nessa ordem — tão díspares entre si, mas igualados pela incúria de seus líderes e, claro, por intervenções não raro desastrosas dos Estados Estados Unidos e da OTAN, a aliança militar do Ocidente.
A volta do fuzileiro naval Jack silva, de John Krasinski, ao front, para complementar a renda como corretor de seguros medíocre, dá uma medida bastante razoável de como pode estar a Líbia hoje. Aquele cenário encardido, poeirento, de crianças descarnadas correndo atrás dos jipes da OTAN — as poucas que ainda não morreram, de inanição, cólera ou tifo — num país completamente isolado, cuja capital não dispõe de representações diplomáticas de nenhuma ordem e tem de se conformar com as migalhas de Obama, é o tiro certo do roteiro de Chuck Hogan, baseado no best-seller de Mitchell Zuckoff, que entrevistou cinco dos soldados mencionados no título. A transição de, agora, sim, guerra civil para uma guerra internacional sem precedentes na história da Líbia, faz com que o espectador se sensibilize com o drama dos soldados, mas também os odeie. E o horizonte segue nebuloso naquele pedaço sem lei do mundo.
Filme: 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi
Direção: Michael Bay
Ano: 2016
Gêneros: Drama/Guerra/Thriller/Ação
Nota: 8/10