O suspense quase perfeito que vai te manter preso na história, roendo as unhas e sem conseguir piscar, na Netflix Divulgação / Bord Cadre Films

O suspense quase perfeito que vai te manter preso na história, roendo as unhas e sem conseguir piscar, na Netflix

Com um certo nível de inspiração em Fréderic Bourdin, um impostor francês que assumiu mais de 500 identidades falsas, dentre as quais três eram de crianças desaparecidas, o filme espanhol “A Próxima Pele”, de Isa Campo e Isaki Lacuesta, é um thriller excepcional e altamente subestimado. Talvez seja sua capa que não tenha favorecido a propaganda, mas a história é realmente intrigante e tão envolvente que parece amarrar nossos olhos à tela. A atuação enigmática e sedutora de Àlex Monner certamente nos inclina ao deslumbramento com a obra.

Monner interpreta o adolescente de 17 anos, Léo. Ou seria Gabriel? Sua identidade é até o último segundo uma incógnita para os espectadores, já que ele foi encontrado em um orfanato na França e identificado como Gabriel, um garoto desaparecido há oito anos nos Pirineus espanhóis, uma região gelada, montanhosa e inóspita. Anna (Emma Suárez), sua suposta mãe, vai buscá-lo acompanhada de Enric (Sergi López), um amigo íntimo da família. Por trás de seu desaparecimento, um fatídico e misterioso episódio que só é revelado depois. O menino havia ido acompanhar o pai e Enric durante uma caçada a animais nas montanhas cobertas de neve. Um acidente, que não fica muito claro como ocorreu, provoca a morte do pai, enquanto o menino simplesmente some. Enric o teria procurado por cinco dias nas montanhas e quase morrido na busca pelo menino, que só retornou após ser localizado no orfanato oito anos mais tarde.

O assistente social explica, antes de Gabriel partir para a casa de Anna, que as leis francesas não obrigam exame de DNA se há um reconhecimento imediato entre a criança e a família. Como Gabriel e Anna não se estranham, ele simplesmente retorna para casa. O adolescente supostamente sofre de amnésia-dissociativa. Ele não se lembra de muita coisa sobre a infância e não sabe de nada sobre o pai. A maior parte do tempo, Gabriel finge reconhecer pessoas do passado. Nos momentos em que a câmera o captura sozinho, vemos que ele sofre ataques de pânico e se automutila.

Apesar de rebelde e misterioso, Gabriel se encaixa rapidamente dentro daquela pequena comunidade que é chacoalhada com a sua presença. Ele é praticamente uma celebridade local, mimado pelos mais velhos e admirado pelos colegas da mesma idade, especialmente quando mente compulsivamente sobre suas experiências mundo afora. Ele inventa histórias sobre suas passagens por diversos países e coleciona tatuagens assim como as ditas experiências em empregos que exerceu antes de parar no orfanato.

Apesar disso, Enric, que tem um caso com Anna sabe-se lá há quanto tempo, desconfia que o rapaz não seja realmente Gabriel, mas um impostor tentando se aproveitar da situação. Nós, enquanto espectadores, ficamos confusos. Afinal, como podem Anna e Gabriel terem tamanha sintonia, como se eles sempre tivessem se conhecido? Como Gabriel sabe sobre coisas do passado, por exemplo sobre a decoração de seu quarto ou sobre a forma como queimou suas costas? Se ele é mesmo um impostor, ele teria conhecido o verdadeiro Gabriel, que lhe deu essas informações, ou ele está novamente inventando histórias compulsivamente e enganando a todos? De qualquer forma, o suposto retorno do filho é um deleite para Anna, que quer reparar por ter sido uma péssima mãe no passado.

Mas a história da família é embrulhada em segredos que vão sendo descobertos aos poucos, nos fazendo abrir este filme como uma caixa de surpresas interessante, charmosa e instigante. Em determinada cena, após Gabriel descobrir que Enric tem um caso com Anna, eles se confrontam e o adolescente diz: “Eu não conto, se você não contar”. Neste momento crucial, como espectadores ficamos ainda mais confusos e curiosos sobre o sentido da fala do menino. Afinal, qual segredo ele não quer que Enric conte a todos? Seria o segredo da sua identidade ou o segredo do que realmente teria ocorrido na montanha, no dia da tragédia?

Apesar de ter sido a estreia de Campo e Lacuesta na direção, eles souberam segurar bem a audiência, prender a atenção e nos conduzir por um suspense dramático incrível e magnético.


Filme: A Próxima Pele
Direção: Isa Campo e Isaki Lacuesta
Ano: 2016
Gênero: Drama/Suspense/Thriller
Nota: 10/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.