Com um certo nível de inspiração em Fréderic Bourdin, um impostor francês que assumiu mais de 500 identidades falsas, dentre as quais três eram de crianças desaparecidas, o filme espanhol “A Próxima Pele”, de Isa Campo e Isaki Lacuesta, é um thriller excepcional e altamente subestimado. Talvez seja sua capa que não tenha favorecido a propaganda, mas a história é realmente intrigante e tão envolvente que parece amarrar nossos olhos à tela. A atuação enigmática e sedutora de Àlex Monner certamente nos inclina ao deslumbramento com a obra.
Monner interpreta o adolescente de 17 anos, Léo. Ou seria Gabriel? Sua identidade é até o último segundo uma incógnita para os espectadores, já que ele foi encontrado em um orfanato na França e identificado como Gabriel, um garoto desaparecido há oito anos nos Pirineus espanhóis, uma região gelada, montanhosa e inóspita. Anna (Emma Suárez), sua suposta mãe, vai buscá-lo acompanhada de Enric (Sergi López), um amigo íntimo da família. Por trás de seu desaparecimento, um fatídico e misterioso episódio que só é revelado depois. O menino havia ido acompanhar o pai e Enric durante uma caçada a animais nas montanhas cobertas de neve. Um acidente, que não fica muito claro como ocorreu, provoca a morte do pai, enquanto o menino simplesmente some. Enric o teria procurado por cinco dias nas montanhas e quase morrido na busca pelo menino, que só retornou após ser localizado no orfanato oito anos mais tarde.
O assistente social explica, antes de Gabriel partir para a casa de Anna, que as leis francesas não obrigam exame de DNA se há um reconhecimento imediato entre a criança e a família. Como Gabriel e Anna não se estranham, ele simplesmente retorna para casa. O adolescente supostamente sofre de amnésia-dissociativa. Ele não se lembra de muita coisa sobre a infância e não sabe de nada sobre o pai. A maior parte do tempo, Gabriel finge reconhecer pessoas do passado. Nos momentos em que a câmera o captura sozinho, vemos que ele sofre ataques de pânico e se automutila.
Apesar de rebelde e misterioso, Gabriel se encaixa rapidamente dentro daquela pequena comunidade que é chacoalhada com a sua presença. Ele é praticamente uma celebridade local, mimado pelos mais velhos e admirado pelos colegas da mesma idade, especialmente quando mente compulsivamente sobre suas experiências mundo afora. Ele inventa histórias sobre suas passagens por diversos países e coleciona tatuagens assim como as ditas experiências em empregos que exerceu antes de parar no orfanato.
Apesar disso, Enric, que tem um caso com Anna sabe-se lá há quanto tempo, desconfia que o rapaz não seja realmente Gabriel, mas um impostor tentando se aproveitar da situação. Nós, enquanto espectadores, ficamos confusos. Afinal, como podem Anna e Gabriel terem tamanha sintonia, como se eles sempre tivessem se conhecido? Como Gabriel sabe sobre coisas do passado, por exemplo sobre a decoração de seu quarto ou sobre a forma como queimou suas costas? Se ele é mesmo um impostor, ele teria conhecido o verdadeiro Gabriel, que lhe deu essas informações, ou ele está novamente inventando histórias compulsivamente e enganando a todos? De qualquer forma, o suposto retorno do filho é um deleite para Anna, que quer reparar por ter sido uma péssima mãe no passado.
Mas a história da família é embrulhada em segredos que vão sendo descobertos aos poucos, nos fazendo abrir este filme como uma caixa de surpresas interessante, charmosa e instigante. Em determinada cena, após Gabriel descobrir que Enric tem um caso com Anna, eles se confrontam e o adolescente diz: “Eu não conto, se você não contar”. Neste momento crucial, como espectadores ficamos ainda mais confusos e curiosos sobre o sentido da fala do menino. Afinal, qual segredo ele não quer que Enric conte a todos? Seria o segredo da sua identidade ou o segredo do que realmente teria ocorrido na montanha, no dia da tragédia?
Apesar de ter sido a estreia de Campo e Lacuesta na direção, eles souberam segurar bem a audiência, prender a atenção e nos conduzir por um suspense dramático incrível e magnético.
Filme: A Próxima Pele
Direção: Isa Campo e Isaki Lacuesta
Ano: 2016
Gênero: Drama/Suspense/Thriller
Nota: 10/10