O melhor filme brasileiro da década está na Netflix e você ainda não assistiu Divulgação / Pandora Filmes

O melhor filme brasileiro da década está na Netflix e você ainda não assistiu

Escrito e dirigido por Anna Muylaert, a obra de arte do cinema brasileiro “Que Horas Ela Volta?” questiona o papel da empregada doméstica dentro do lar e seu papel afetivo e educador na criação das crianças.

Inspirada pela história de sua funcionária, que deixou a própria filha para ganhar a vida em São Paulo, Muylaert nos conta sobre Val, uma empregada doméstica nordestina que trabalha para uma família de classe média paulista, e que deixou sua filha na sua cidade natal para tentar melhores possibilidades na cidade grande. Após anos trabalhando na casa, Val considera Fabinho (Michel Joelsas), o filho de sua patroa, como seu. Fabinho, por sua vez, tem mais vínculo afetivo com Val que com sua mãe, que trabalhou fora durante todo seu crescimento.

Quando a filha de Val decide ir até São Paulo para visitar a mãe e prestar vestibular, ela chacoalha a rotina dos patrões e provoca um verdadeiro estardalhaço ao colocar em xeque o papel de Val na casa. Afinal, por que tantos patrões consideram as empregadas domésticas como “da família”, se elas não têm lugar à mesa? Se elas não podem abrir a geladeira e pegar o que bem querem? Se elas não podem relaxar na piscina da casa? Se elas não têm parte na herança?

Apesar disso, à elas são delegados, não apenas o cuidados com o lar, mas os cuidados com as crianças. Enquanto os pais saem para trabalhar ou cumprir suas agendas, são elas que cuidam da alimentação, higiene, dos cuidados afetivos, das brincadeiras e, até mesmo, do sono dos filhos dos patrões. Ao longo dos anos, estabelecem vínculos intricados com as crianças e sofrem quando são demitidas e precisam cortar, repentinamente, os laços com elas.

A presença de Jéssica (Camila Márdila) incomoda, porque lembra a todos, os patrões e sua mãe, que empregadas não fazem parte da família e que, ao cruzarem certos limites, são imediatamente recoladas em seus papéis de meras funcionárias. Também incomoda, porque ela prova que a limitação financeira não é suficiente para aliená-la e que a curiosidade e o pensamento crítico independem de classe social. Jéssica é mais inteligente que Fabinho, o garoto privilegiado que tem tudo para ser bem-sucedido, o que desperta certo desdém.

Em determinada cena, Fabinho diz à Val seu veredito sobre Jéssica: “Estranha ela. Segura demais”. Diferente de outras pessoas de sua posição social, Jéssica não abaixa a cabeça e não age como inferior ou empregada dos ricos, afinal, não é ela a funcionária dos patrões. Jéssica é uma menina com objetivos claros e que reage à qualquer tentativa de redução de sua pessoa com o mesmo nível de arrogância.

Há uma simplicidade e uma naturalidade nos diálogos, que tornam o filme maduro o suficiente para abordar o tema de maneira sutil e, ao mesmo tempo, afiado, sagaz. O roteiro de Muylaert passou por várias mudanças antes de ser gravado em fevereiro de 2014. Mas em 2002, já existia. Apenas em sua quinta versão, a cineasta o considerou suficientemente bom para ser filmado.

A fundação centenária estadunidense de críticos de cinema, chamada de National Board Review, considerou, em 2015, “Que Horas Ela Volta?” um dos cinco melhores filmes internacionais do ano. O Brasil chegou a registrá-lo para a disputa ao Oscar, mas injustamente não foi selecionado.

Um filme delicado e sensível para digerir questões sociais e valorizar os papeis femininos na sociedade, “Que Horas Ela Volta?” é uma verdadeira obra de arte da cinematografia.


Filme: Que Horas Ela Volta?
Direção: Anna Muylaert
Ano: 2014
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 10/10