Qualquer despedida é difícil. Somos tão apegados a tudo e todos que criamos rituais para dizer adeus: festas de despedida, funerais para enterrar nossos queridos, até mesmo festas de aniversário e álbuns de foto são formas de eternizar os segundos que — sabemos! — escoam por nossos dedos sem controle nem juízo.
Despedir das pessoas e das coisas é desapegar-se um pouco de si. É deixar ir embora o que já fez parte de nossa história, mas que, por alguma razão, não pode mais fazê-lo. Dizer adeus é aprender a conviver com o que sobrou aqui dentro, reinventar-se para se sentir inteiro novamente e buscar alicerce no que ficou.
Somos uma sinfonia improvisada e tropeçante, ribombando entre sonoras melodias e acordes dissonantes. A despedida fica ainda mais difícil quando se pretende deixar pra trás um movimento a quatro mãos. Olhar para o parceiro, compreender que acabou e que toda a arte construída por vocês cumpriu seu ciclo, deu o que tinha que dar, fechou a história e já não tem epílogo. “The end”. Terminar um relacionamento é aceitar que o caminho é curvilíneo e que é possível voltar solfejar em uma só voz, até que se encontre outro músico que cante mais ou menos no mesmo tom — ou não.
Dizer adeus a um amor não é sinônimo de fracasso. “Por que vocês não deram certo?”, perguntam. Ora, mas deram! Deram muito certo! Deram certíssimo e, como o capítulo final de um bom livro, chegaram ao fim, reconhecendo humildemente a hora de dizer chega. Sim, porque terminar um relacionamento que já foi feliz um dia é um grande ato de humildade. É como um lutador que, reconhecendo seu natural declínio, sabe a hora de se despedir do ringue, antes de começar a manchar sua vitoriosa história com teimosia despropositada.
A compreensão da hora do adeus bate simples como um beija-flor. É não reconhecer no espelho o sorriso das fotos antigas, nem ter o que conversar numa noite preguiçosa de domingo… É não ansiar mais pelo abraço do outro ou por suas histórias e desventuras. Ou talvez seja simplesmente olhar para o parceiro e não sentir mais parceria, fluidez, ou vontade de dividir a música.
É provável que a tentação da zona de conforto — este endiabrado campo minado — comece a questionar aquilo que, no fundo, o coração já sabe responder: “será que é isso mesmo?”, “pode ser só uma fase…”, “talvez seja coisa da minha cabeça” e por aí vai. A verdade é que somos grandes resistentes ao fechamento dos ciclos da vida. Por mais que adoremos a imagem do cavalo livre e solto no campo aberto, somos tentados a pagar, com o uso de uma sela mais pesada do que podemos carregar, o preço de um estábulo seguro e protetivo.
Sim, mudar é difícil. Complicado é despedir-se de si mesmo a cada aniversário e dizer adeus aos hábitos engessados que nos deixam cheios de certezas tão profundas quanto um pires. É um suplício ter que andar para frente fechando e abrindo ciclos, enquanto nosso instinto de segurança nos puxa para um “loop” eterno de mesmices, sem cogitar que o lugar mais seguro talvez não seja sob um teto mofado, mas, sim, sob o sol.
Não é preciso drama. Não precisa rancor, briga, mágoa ou culpa. Basta honestidade — tanto de olhar para si quanto para o outro — e coragem de perceber que uma chuva de reticências comunica muito menos que um certeiro ponto final.