Ganhador do Oscar e uma das mais belas histórias de amor do cinema recente está na Netflix e vai te dar um nó na garganta Divulgação / Annapurna Pictures

Ganhador do Oscar e uma das mais belas histórias de amor do cinema recente está na Netflix e vai te dar um nó na garganta

As melhores histórias de amor não são as felizes. É inegável o poder de sedução que narrativas em que o amor precisa superar obstáculos e se mostrar forte e determinado tem na mente do público. Mas em “Se a Rua Beale Falasse”, filme de 2018 de Barry Jenkins, temos mais que uma história de superação do amor, mas de denúncia do racismo estrutural e dentro do sistema de Justiça. Ainda, é mais que uma história de amor entre um casal. Também é sobre o amor de uma mãe pela filha.

Fonny (Stephan James) é um rapaz de 22 anos, negro, que mora na periferia de Nova York. Ele é acusado injustamente pelo estupro de uma mulher porto-riquenha. A principal testemunha é um policial que diz ter visto Fonny sair do local do crime, mas a acusação não passa de uma vendeta pessoal, por conta de um desentendimento entre eles em um mercado. Grávida de Fonny, Tish (KiKi Lane) e sua família monta uma força-tarefa para ajudar o jovem a ser inocentado. Sharon (Regina King), mãe de Tish, é quem mais move mundos e fundos para tirar o genro da cadeia, claro, por amor à filha. Enquanto isso, a família de Fonny não se dá bem com a de Tish e busca procurar explicações religiosas para a tragédia que se abateu sobre a família, sem realmente tomar iniciativas para libertar o rapaz.

O filme se passa na década de 1970 e, embora Fonny e Tish não tenham existido de verdade, casos como este não são incomuns. Apenas dois anos depois de seu lançamento, ocorreu a fatídica morte de George Floyd, asfixiado por policiais brancos durante uma abordagem violenta, que movimentou o mundo e despertou manifestações por todo lado, chamadas de “Black Lives Matter”. Mas os protestos não foram motivados apenas pela morte de Floyd. Essa foi apenas a gota d’água de várias outras que ocorrem todos os anos, provando a fragilidade da validade dos direitos humanos e constitucionais para as minorias. No caso dos negros, vítimas do próprio sistema, mortos por forças de segurança, braços do governo.

Em 2017, um relatório da Comissão de Sentença dos Estados Unidos mostrou que os negros condenados à prisão geralmente recebem uma condenação 20% maior que homens brancos. A população carcerária, segundo esse mesmo levantamento, mostra que negros são cinco vezes mais que brancos na cadeia. A proporção é 450 detentos brancos para cada 100 mil habitantes, enquanto negros são 2,4 mil presidiários para cada 100 mil pessoas.

Dados levantados pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, que usou o Mapping Police Violence 2019 e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2018, para traçar paralelos entre os dois países, mostra que enquanto os negros têm 2,9 vezes mais risco que brancos de morrer pelas mãos de policiais durante abordagens nos Estados Unidos, o Brasil não fica muito atrás, com 2,3 vezes maior risco. Mesmo assim, o número de mortes de jovens negros por policiais é 18 vezes maior aqui em comparação com os estadunidenses.

Além disso, entre os que esperam no corredor da morte, segundo o American Sociological Review, negros com sentença pronunciada tem duas vezes mais chances de ser executados que um branco na mesma situação. A base do estudo usou 1.560 condenados entre 1973 e 2002 em 16 estados do país norte-americano.

O cinema sempre foi uma arma de críticas e denúncias, assim como as artes em geral, mas com o Black Lives Matter houve uma explosão de produções tratando do tema. “Se a Rua Beale Falasse” é um filme angustiante, porque acompanhamos a odisseia de injustiças e indiferenças que mantém Fonny na cadeia, mesmo sem provas substanciais de sua culpa. E embora os Direitos Humanos garanta o princípio de presunção de inocência, na prática, especialmente para negros, não é assim que funciona. No enredo, é Tish e sua família que precisam provar que Fonny é inocente.

Regina King venceu, merecidamente, o Oscar de melhor atriz coadjuvante por esta produção em 2019. Vale dizer que o elenco completo deste filme é espetacular. A trilha sonora mistura ritmos de jazz às clássicas orquestras para nos acomodarmos no universo de Fonny e Tish. A fotografia saturada e contrastada permite percebermos o tom explosivo de violência, raiva e injustiça.


Filme: Se a Rua Beale Falasse
Direção: Barry Jenkins
Ano: 2018
Gênero: Drama / Romance
Nota: 9/10