Avança o tempo, sem clemência do homem e suas fraquezas, indiferente aos sonhos que nunca hão de tornar em realidade, abraça em sua densa bruma tudo quanto se passa na Terra, dissolve essa matéria incorpórea e a pulveriza, deixando que flutue por entre os vastos campos do planeta, até que, de quando em quando, repousa e, então, alguém, finalmente, consegue se aproximar e tentar entender os tantos profundos mistérios que encerra. A História é feita de personagens que, por absurdo que pareça, passam ao largo da atenção — e mesmo do interesse — das gerações que os sucedem, por uma pletora de tristes razões. Em nossos dias, por mais problemas que as sociedades tenham quanto a preservar o direito à opinião e à expressão autônomas, muito já se avançou nessa questão, ainda que o opróbrio dos injustiçados de outros tempos não feneça com decretos ou mesmo com a tomada de consciência de cidadãos da pós-modernidade, e não obstante a ignorância quanto ao relevo e ao legado desses grandes vultos que a humanidade pôde celebrar (ainda que por um prazo exíguo demais…), acatando a constituição cíclica dos acontecimentos que o gênero humano protagoniza, elas acabam por fazer com que seu mérito inspire o devido reconhecimento e voltam, abalando as frágeis estruturas do quase nada que se erigiu desde sua passagem pelo mundo.
Seguimos lutando contra a comodidade da solidão, a despeito da vontade atávica, ancestral e instintiva da fuga e do isolamento, persistindo na obsessão meio doentia de nos adequarmos ao que querem de nós, ignorando as dores que continuam a doer mesmo depois que o caos da vida arrefece e nos surpreendem o torpor do cansaço e a bênção do sono, que longe de trazer alívio, reaviva as cinzas de um passado que teima não passar. Ao longo da jornada da evolução do homem sobre a Terra, são pródigos os exemplos de homens e mulheres que ousaram investir contra aquilo que lhes preparara o fado, rebelaram-se com ímpeto maior ou menor e mudaram o curso de seu caminho, transformando a sociedade que os desprezava. Escravos, símbolo de uma época morta, mas que, lamentavelmente, renasce segundo a conveniência do déspota de turno, passaram às páginas dos livros como indivíduos que sofreram o maior opróbrio a que um ser humano pode sujeitar-se, mas não sem a justa reação. Antes de mencionar a erupção do Vesúvio, no que hoje se conhece como a cidade de Nápoles, no sul da Itália, em 79 d.C., Paul W.S. Anderson faz de “Pompeia” o épico sobre a coragem, a força e o brio de um homem que, subjugado pelo terror de eras pouco civilizadas e seus poderosos, tomou a desdita como o oxigênio que lhe permitir-lhe-ia continuar vivo, sonhando pela vingança preparada pelos deuses.
Os roteiristas Janet Scott Batchler, Lee Batchler e Michael Robert Johnson incluem no texto a abertura em que uma tela negra com os dizeres de Plínio, o Jovem (61-114), no ano mesmo da hecatombe, a respeito da agonia e do caos que precederam aqueles dias. A escuridão, dos olhos e do espírito, lança os celtas a uma revolta sem precedentes, contra a dominação romana e sua cólera insana e assassina. Milo, em muitas ocasiões chamado apenas pelo epíteto que alude a seu povo, hábil com a espada e ainda mais com os cavalos, lidera a insurreição, mas fracassa. Sua sorte, diferentemente dos corpos que balançam junto com o ferro das armas tilintando numa árvore seca — uma das cenas mais tetricamente líricas do cinema, não por acaso muito semelhante a que registra o enforcamento dos filhos de Medeia na versão de Lars von Trier para a tragédia grega, de 1988 — é ser mandado a Pompeia, nos intestinos do Império Romano.
Nos primeiro e segundo atos, Anderson amalgama à perfeição os momentos em que se flagra mais uma vez escravizado, perdido em devaneios de liberdade, às interações de romantismo quase pueril com Cássia, a filha de Severus, papel de Jared Harris, o soberano de Pompeia. Mesmo sempre condicionada à entrada de um personagem masculino, a atuação de Emily Browning se destaca, em especial quando o vulcão se liberta dos grilhões da terra e já não há nada mais a ser feito. Essa imagem sintetiza bem a alma do filme, é uma lástima que o desastre em si fique relegado a um segundo plano, quase que só para constar. Por outro, a sequência em que Milo e Atticus, o escravo negro de Adewale Akinnuoye-Agbaje, ensaiam o combate na arena dos gladiadores para a luta final, em que um deles teria de morrer, é uma das mais bem coreografadas de todos os tempos numa história que acontece, mas também sugere o que poderia ter acontecido.
Filme: Pompeia
Direção: Paul W.S. Anderson
Ano: 2014
Gêneros: Drama/Ação/Aventura
Nota: 8/10