Toda família tem seus problemas, mas para a família Qin, de “A Sun”, filme taiwanês do diretor Mong-Hong Chung, as provações e turbulências parecem duras demais, quase insuportáveis. Como um pontapé, o filme começa com uma cena brutal de A-Ho, filho mais velho da família, cometendo um crime ao lado de um amigo de gangue. Apesar da cena inicial de violência explícita, o resto do filme carrega um ritmo mais lento e cadenciado, com poucas explosões e crescendos.
Enquanto A-Ho é o filho perdido, cujo pai decide negar como seu, e que deve resistir às intimidações dentro e fora da cadeia, o irmão, A-Hao, é o menino exemplar, doce, estudioso, discreto e que sonha em se tornar médico. A-Ho deixa de fora da prisão uma namorada grávida, que se torna responsabilidade da família, que já sobrevive com poucos recursos em um cubículo.
Quando repentinamente A-Hao se suicida, os pais e o irmão precisam encontrar forças no próprio orgulho para não desabar. A mãe tenta, por meio de conversas com pessoas nas quais A-Hao conviveu por último, tentar encontrar algum sentido em sua decisão de acabar com a própria vida. Como A-Hao nunca abria a boca para reclamar de nada, é difícil identificar o que quer que tenha o deixado tão infeliz.
Fica subentendido que A-Hao se sentia esgotado por ter de ser o sol na vida de todos. Enquanto os outros têm espaço na sombra, ele se via na constante obrigação de ser luz. A pressão pela perfeição e as expectativas da família certamente o atormentavam. À poeira do que restou dos Qin, o filme desenvolve a história de cada membro da família individualmente, mostrando suas angústias e lutas cotidianas para superar o passado.
A fotografia com cores fortes e muita saturação se divide com o tom acinzentado, mostrando exatamente essa dicotomia entre os irmãos. O chiaroscuro. Um é luz e outro escuridão. Os créditos são do próprio diretor, que também é operador de câmera. Enquanto desenvolve sua narrativa, Chung nos faz pensar em como não conhecemos verdadeiramente as pessoas mais próximas de nós, aquelas com quem dividimos a mesma casa. É impossível saber o que se passa na cabeça do outro e, muitas vezes, isso é assustador.
Também nos mostra como o peso da expectativa que colocamos pode arruinar o outro. No caso de A-Ho e A-Hao, destruiu a ambos, que não souberam lidar com a percepção que os pais tinham de cada um. No fim das contas, toda percepção é falsa e só existe na mente de quem a cria. Quem verdadeiramente somos, muitas vezes, é um segredo até para nós mesmos. Vamos nos reinventando e nos redescobrindo a cada capítulo da vida.
Aclamado pela crítica, o filme chegou a ser inscrito para representar Taiwan na disputa pelo Oscar de filme internacional, mas acabou não indicado.
Filme: A Sun
Direção: Mong-Hong Chung
Ano: 2019
Gênero: Drama
Nota: 9/ 10