Culpa dele. Impulsivo, ansioso, dependente de um coração que faça valer a pena as batidas do próprio compasso. Ah, esse tal de amor à primeira vista que nos faz perder o juízo. Se fosse só o juízo, até que estava bom. Perde-se o discernimento e a sensatez. Tudo em prol de uma nova possibilidade de encontrar a metade da laranja, a tampa de panela que, depois de tanto querer fechar, ora estava frouxa, ora pequena demais para um coração tão grande e tão cheio de amor para dar.
Amor à primeira vista é assim, como uma paulada nas costas, um tiro no peito, único golpe que derruba ao chão. Uma vez atingido, não há remédio que cure. O mais insólito é que ninguém quer sanar da deliciosa dor de estar perdidamente apaixonado.
Diferente da premonição do amor, aquela sensação logo quando conhecemos alguém, de que ainda vamos nos apaixonar por essa pessoa adiante. Por afinidade, admiração e até mesmo uma misteriosa confiança de que poderá dar certo. O amor à primeira vista é a certeza momentânea de que aquele é aquilo que faltava e que nada mais importa ou interessa, que não haverá outros corpos, nem outras possibilidades, tampouco existirá vida se não for ao lado dele.
Mas quem garante que o amor é um soco no estômago, uma porrada de mão cheia? E se a premonição do amor for o amor em si, brotando manso dentro do peito, amornando o corpo pouco a pouco, levantando as paredes de uma nova morada?
Decerto. Se o amor fosse coisa fácil de entender, ninguém sofreria por ele. Outra: se tivesse bula, saberíamos lidar com as reações adversas, a abstinência ou a superdosagem seguindo apenas a receita.
Muitas vezes a ânsia para encontrar a metade que nos completa é tanta, que não reparamos nas premonições amorosas. Nos apaixonamos perdidamente, continuamente, como animais que farejam as presas buscando saciar a fome. Desconsideramos a normalidade, porque temos a ideia de que o amor é sobrenatural. E o amor à primeira vista é assim. Nos aguça os sentidos, nos salta aos olhos como coisa esplêndida. Todas as vezes que ele nos surpreende, nos deixamos seduzir pela excitante presença do novo e a promissora esperança de que encontramos, por fim, a tal tampa da nossa panela.
A culpa das nossas reclamações de que o amor verdadeiro não existe é, justamente, a importância que damos aos amores à primeira vista. Apostamos nossas fichas em todas as possibilidades românticas, por carência de alguém que nos cuide, pela urgência de uma companhia. Acabamos enxergando os pretendentes mais virtuosos do que realmente são… A tendência é que esses rompantes nos decepcionem cada vez mais.
Para voltar a acreditar no amor, talvez seja o momento de desacelerar a busca e viver sem a pressa de uma dependência amorosa. Mais calmaria para dentro do peito. Um dia depois do outro e todas as certezas se encaixarão, seja com um amor surpresa ou com um amor construído.