Filme na Netflix vai esmigalhar seu coração em mil pedaços e acabar com sua caixa de lencinhos Divulgação / IFC Films

Filme na Netflix vai esmigalhar seu coração em mil pedaços e acabar com sua caixa de lencinhos

Não é à toa que a pantomima é tão popular na França e conhecida mundialmente. Inspirados por artistas como Étienne Decroux e Marcel Marceau, o mimismo atual se tornou turístico e até cultural em Paris. Mas nomes históricos e reconhecidos como os deles também tiveram seus mestres e os começos de suas carreiras não foram nada fáceis. O filme de 2020, de Jonathan Jakubowicz, “Resistência”, narra o início da arte de Marceau, considerado o mais importante mímico de todos os tempos. Foi assistindo Charles Chaplin e Buster Keaton nas telas, que ele descobriu sua paixão e vocação. Mas o destino o colocou na boca de um furacão histórico, um desastre no contexto da humanidade sem precedentes.

Marceau nasceu em Estrasburgo, na França, em 1923, no meio da Primeira Guerra Mundial. Poucos anos depois, ele e sua família judaica viviam em Lille, já na Segunda Guerra Mundial. Quando seu pai foi capturado por oficiais da Gestapo. Marcel Marceau tinha apenas 17 anos. Ele jamais viu o pai novamente, que morreu no campo de concentração de Auschwitz, em 1945. O artista e seu irmão sobreviveram com ajuda de um primo, George Loinger, que ajudava crianças judias órfãs a se esconderem e fugirem para outros países.

Logo Marcel e o irmão se juntaram à Resistência Francesa, mas acabaram encontrando mais sentido em salvar, junto com George, as crianças judias. Foi aí então, que suas habilidades começaram a ser necessárias. Graças ao talento para a mímica, o artista conseguia a confiança dos órfãos traumatizados e fragilizados pela dor de suas experiências durante a guerra. Eles os ensinava a se esconder, escalar árvores, ficar em silêncio e sobreviver a fugas de nazistas. Marcel ajudou a salvar mais de 70 crianças judias em sua juventude e essa é a história narrada em “Resistência”, um filme triste, chocante e belo.

Depois da guerra, Marcel Marceau se tornou uma celebridade mundial em sua arte e percorreu o mundo inteiro. Sua carreira foi longa e os tempos de luta por sobrevivência ficaram apenas em sua memória. Talvez a maior parte de seu público sequer tenha sabido de suas proezas contra o nazismo antes do prestígio nos palcos. Seu pior carrasco, o brutal oficial nazista Klaus Barbie, conhecido como “açougueiro de Lyon”, praticava as piores torturas com suas vítimas antes de as matarem para conseguir informações, como amputações, afogamentos e escalpelamento.

Para Barbie, o carma não voltou tão rápido. Ele chegou a ser recrutado pela inteligência americana em 1947 e, depois, fugiu para a Bolívia, onde, inclusive, ajudou o general Luiz García Meza a impor sua ditadura no país. Embora tenha sido identificado por vítimas em 1971, ele só foi extraditado para a França em 1983. O julgamento só veio em 1987, quando foi condenado por crimes contra a humanidade. Barbie morreu quatro anos depois, de leucemia, na prisão, aos 77 anos.

Em “Resistência”, Marceau é interpretado por Jesse Eisenberg, que conseguiu desenrolar supreendentemente bem seu papel como o mímico, embora seja um ator mais introspectivo. Já o vilão, Barbie, é vivido por Matthias Schweighöfer, conhecido pelo recente “As Nadadoras”, que praticamente rouba as cenas e dá ao público uma atuação perfeita como um nazista desequilibrado, cruel e com explosões de violência. A trilha sonora de Angelo Milli e a fotografia de M.I. Littin-Menz são tão sensíveis e artísticas que ajudam a reforçar o teor conceitual do filme e a criatividade e talento de Marceau.

O filme nos dá algumas importantes lições, sobre como heróis improváveis podem surgir no meio de tragédias e sobre como a arte pode nos salvar do mal, nos abastecendo com esperança e amor. Sobre como podemos reunir nossas habilidades e nos tornar úteis em momentos difíceis e sobre como erros históricos devem ser lembrados para jamais serem repetidos. “Resistência” é um filme para encher o coração e lembrar que o bem sempre prevalece, apesar dos rastros de destruição e morte que o mal deixa pelo caminho.


Filme: Resistência
Direção: Jonathan Jakubowicz
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 8/10