Pelé, o Macunaíma negro Foto / A.Ricardo

Pelé, o Macunaíma negro

O maestro Antonio Carlos Jobim dizia que o Brasil jamais amou Pelé; e, ao contrário, idolatrava Garrincha, que morreu pobre e bêbado. O frasista Tom Jobim se referia ao fato de que a população brasileira não o reverenciava como um genuíno monarca dos trópicos, sobretudo porque o El-Rey Pelé fora um vencedor na vida, ao passo que o Mané não conseguira driblar o alcoolismo, por exemplo. Diz a sabedoria popular que quem é rei não perde a majestade, assim como ao parodiar os teóricos ressalto que uma meia mentira repetida muitas vezes se torna verdade. Isto porque o Atleta do Século 20 fora amado pelo povo brasileiro, sim; entretanto, por seu posicionamento (ou ausência de) político, em momentos fatídicos da História pátria, assim como o outro soberano, o cantor e compositor Roberto Carlos, o cidadão Edson Arantes do Nascimento sofreu, de fato, uma violenta patrulha ideológica por parte da esquerda tupiniquim de plantão.

Não obstante, creio eu que a principal diferença entre a dinastia Pelé e a de Roberto Carlos fora que o monarca de Cachoeiro de Itapemirim não proferiu a infeliz frase sobre a questão de que o brasileiro não sabia votar, em pleno período ditatorial após 1964. Ou seja, El-Rey Roberto Carlos enriqueceu em conivente silêncio (ou silenciado?). Em verdade, o que importa pensar é que a meia verdade de Jobim se perpetuou em alguns membros da elite intelectual, que alastraram o pasquim por seitas ideológicas e catedrais, de modo a sentenciar que El-Rey Pelé jamais fora venerado em plenitude em sua terra cordial e hospitaleira. Não sei se posso afirmar com exatidão, mas suspeito de que o genial Tom Jobim intentou reacender o fulgor da estrela santista, não olvidando-se, intencionalmente, de que a Bossa Nova e o título da Copa de Mundo de 1958 expeliram o país da tão decantada da síndrome de vira-latas, mimetizada por Nelson Rodrigues.

Neste sentido, muito provavelmente o magistral Antônio Carlos Jobim quisera apontar a contradição brasílica para o seu próprio umbigo, uma vez que o Brasil decretava João Gilberto, o Mané Garrincha das cordas tortas, como criador da Bossa Nova, relegando-o ao patamar de coadjuvante no cenário musical brasileiro de 1958. Todavia, cabe ressalvar que El-Rey Pelé fora coroado aos 17 anos pela mesma elite branca, que festejou os arranjos sofisticados do cancioneiro provindo da Zona Sul carioca, à proporção que se consagrava nos braços do povo brasileiro, como o Macunaíma negro, herói sem nenhum caráter.