Os 10 melhores filmes de 2022, lançados pela Netflix (e que talvez você não tenha assistido) John Wilson / Netflix

Os 10 melhores filmes de 2022, lançados pela Netflix (e que talvez você não tenha assistido)

A partir do momento em que vê a luz do mundo, o homem começa uma jornada rumo a lugares em que decerto quereria estar caso tivesse pleno domínio sobre sua própria vida. Quanto antes temos claro que estamos rigorosamente sós no mundo, à mercê da imoderação da natureza humana em toda a sua degradação de princípios e comportamentos; o mais cedo nos convencermos de que determinadas circunstâncias, a despeito de mudanças as mais profundas que possam orientar a condução das sociedades ao redor do globo; o menos afetados pela descrença de tudo, motivada por um critério um tanto fantasioso acerca do justo encaminhamento das questões que tocam aos direitos mais básicos de um indivíduo, melhor haveremos de nos sair frente aos incessantes desafios com que nos regala e nos humilha o existir, momento em que igualmente nos atormenta a certeza de sermos todos, em quadras específicas de nossa história e pautados por intenções e anseios distintos, românticos pregadores num deserto onde só floresce a inutilidade do nada absoluto.

A solidão é muito mais que tão somente a vontade de estar só; há passagens verdadeiramente invulgares na vida do ser humano em que é de fato necessário retirar-se do mundo, ainda que metaforicamente, mesmo que pelo espaço de um instante. É preciso esquecer muito para se lembrar do pouco que importa de verdade; é forçoso mergulharmos no mais fundo de nós a fim de saber para onde devemos ir. Processo que não raro se mostra doído, abandonar a ribalta, reconhecer-se pequeno, insignificante, hediondo, frágil como qualquer outra pessoa, é um exercício de autopreservação, como se, em extirpando um órgão que já não desempenha as funções para que fora criado, conseguíssemos finalmente reoxigenar o sangue e permitir que assim a vida brote outra vez. O pensamento filosoficamente ordenado auxilia o homem a absorver cenários que alimentam um flerte desabrido com o caos, ao passo que o faz entender que ele é o único responsável pelas decisões que toma e pelas estradas a que se lança — que por pedregosa que seja, pode levar a alguma parte em que a vida vá se lhe revelar em sua esfera mais misteriosa, de onde ele poderá tirar muitas das lições que lhe faltam para seguir em harmonia. Conforme os anos se sucedem, mais a ideia de que tudo converge para um irremediável fim toma vulto, já que o plano físico, por mais amplo e até elástico que pareça, com sua ciência aplicada, firme no intuito de prolongar a vida do homem ad aeternum, e limitado, bem como mais lúcido se apresenta o raciocínio que enuncia a fundamental importância para o gênero humano de encontrar seu lugar no mundo — tendo ainda mais claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, imutável, sem fim, uma vez que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida. Na verdade, a lúdica empreitada de viver jamais deixa de condicionar-se aos seus muitos desvios — o que só torna nossa pequenez tanto mais irrefutável.

O ano de 2022 foi uma torrente de produções que aguçaram o senso crítico do espectador, primando por alargar as perspectivas e dar novo fôlego a opiniões as mais contraditórias, que se repelem entre si enquanto também se complementam, provando uma vez mais que a arte espelha a vida no que esta tem de densa, de bela, de única. Se Guillermo del Toro preferiu tomar uma história centenária e forjá-la a seu talante, acrescentando-lhe elementos da análise social mais fina — sem prejuízo do sonho puro, que fala ao que temos de mais arcaico com a ajuda da tecnologia de ponta da computação gráfica —, como fez em “Pinóquio”, Edward Berger também aposta numa narrativa eternizada nas páginas da literatura para repisar as humanas misérias e a sede de vida malgrado num cenário de morte iminente e bárbara, caso de “Nada de Novo no Front”. A Bula solta mais uma de suas tradicionais listas, com os dez filmes mais badalados deste ano, muitos na expectativa do Oscar para arrebatar suas merecidas estatuetas e entrar para a história do cinema — todos na Netflix. Aproveite essa derradeira semana para se inteirar das novidades, dar um giro pelo mundo sem sair do conforto de seu sofá e nos dê seu retorno quanto a nossa seleção.

Bônus

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.