Para se descobrir o grande Amor de Ano Novo de sua vida, sugiro ao Leitor(a) que cuide de se inspirar no alvorecer de um sentimento magnífico, raro e nobre, que se instaura pela singeleza de um ato de contemplação da(o) musa(o) idolatrada(o), que há de ser matéria-prima da receita poética subscrita, não importa se sob disfarces da crônica do jornal ou revista eletrônica, ode, mensagem de áudio ou escrita do WhatsApp, écloga, e-mail, soneto, bilhete, elegia, telegrama ou madrigal. Em verdade, é imprescindível registrar que, para início da travessia do sentimento amoroso, quiçá seja de bom alvitre aconselhar os(as) Leitores(as), que se há de fantasiar a essência interior de bailarina, de modo a tornar-se apto(a) ao mavioso cântico das sereias de almas gêmeas, irmanadas pelas sutilezas de se doar ao próximo, de mãos dadas com a dádiva da existência humana.
Para tal descoberta mágica e lúdica do Amor de Ano Novo, recomendar-se-á ao Leitor(a) que providencie os elementos primordiais da convivência cordial, para conjugação dos espíritos geminados, plenos de pujança de saúde e probabilidade de realizações múltiplas de ordem sentimental. Destarte, eis o inventário das matérias-primas a ser adquirido pelo público leitor desta crônica de réveillon, mal-assinada por um romântico convicto e incurável, mui adepto da arte de Eros, Vênus, Santo Antônio, Cupido e Afrodite.
Ingredientes:
700 g de ilusão fatiada por lâmina de encantamento, independente de gênero, etnia ou religião;
½ xícara de chá de compreensão, amor-próprio, reticências e silêncios;
Um pote de fermento de afeto fabricado por engenho de artesanato divino;
Uma colher de ternura líquida misturada com ervas afrodisíacas de carícias e quimeras;
Três molhos de saudade orgânica cultivada em horta da dedicação incondicional;
Uma pitada de ciúme quase implícito reservada em banho-maria;
Dois ramos de arruda, sal grosso a gosto e uma figa de guiné.
Modo de preparo
Colocar a costela fresca de Adão em recipiente de benignidade, juntamente com os 700 g de ilusão fatiada por lâmina de encantamento, misturando os ingredientes no caldeirão de barro da convivência. Cozinhe em fogão à lenha, até vaporizar o egoísmo desmedido; os resíduos de avareza de espírito e dinheiro; os detritos de intransigência de ideias; e as réstias de arrogância e/ou indelicadeza. Logo a seguir, o(a) Leitor(a) deverá pôr ½ xícara de chá de compreensão, amor-próprio, reticências e silêncios, com o pote de fermento de afeto fabricado por engenho de artesanato divino e a colher de ternura líquida misturada com ervas afrodisíacas de carícias e quimeras. Reserve a pitada de ciúme quase implícito; e, após cozimento, inserir com os três molhos de saudade orgânica cultivada em horta da dedicação incondicional, desfazendo-se da mágoa de um gesto inoportuno ou vocabulário a contragosto. A partir daí, despejar o tempero do devaneio, que vem a ser o segredo da boa culinária amorosa. Por fim, acrescente ramo de arruda, sal grosso e figa de guiné, para proteção contra olho-gordo ou mau-olhado.
Acompanhamentos
Porções de generosidade, amostras de companheirismo, cubos de franqueza, pedaços de cumplicidade e provas de arrebatamento.
Modo de servir
Aformosear a ceia com orquídeas, begônias, jasmins, dálias e bromélias em vaso de ouro, por sobre toalha de renda bordada pelas artesãs da amabilidade, retirando do armário talheres de prata, taças de cristal e vinho tinto de sedução.
Degustação
Eis a receita poética para se descobrir Amor de Ano Novo, acompanhada por cítaras, acordeons, flautins, harpas e charamelas da orquestra celestial dos serafins alados, fadas cantadeiras, querubins virtuoses e duendes alucinados, ávidos por adentrar o inviolável mistério dos entes mortais enamorados pela explosão da vida. Em estado de gratidão, habituemo-nos a festejar a silente e estrondosa chegança do Amor, a deslizar-se por um raio de sol ou traço de luz. Enfim, o recital dos segredos da escrita se declamará sob a égide de fadários satélites dos instintos apaixonados, de sorte a se decantar pela costela de Adão, que fez-se fêmea (ou vice-versa), para banquetear-se, por simbólica antropofagia, mediante comunhão com a imagem e semelhança de um Deus-mulher ou grego anônimo, até que se desvende a mantilha que não há de ser capaz de encobrir a face oculta da felicidade.
A Vinicius de Moraes.