Sempre insatisfeito com suas conquistas, querendo sempre mais e mais — e com frequência o que não deve ter —, o homem se esmera por ser encarado como o centro do universo, realizando seu sonho autodestrutivo de emular o poder divino. Toda querela em que se foi batendo até o limite de suas forças; todo conflito diante de um adversário que só se deixava subjugar depois de muito sangue derramado; cada batalha quase interminável, que se consumia por si mesma com a prostração dos dois exércitos, feito uma imensa pira que termina de arder quando já não há mais nada a ser oferecido ao inclemente fogo, serve à edificação do castelo em ruínas no qual o homem vai morar ainda que saiba que o preço dessa sua imprudência pode ser inestimavelmente alto. Zombamos da vida e subestimamos a morte, esperando a promoção dos falsos heróis e semideuses que nos redimem para nos condenar pelo resto de vida com que nos amaldiçoa a natureza.
As tramas de vampiros têm alguma fidedignidade histórica, em grande medida, graças à sombria figura do conde romeno Vladímir Drákul (1431-1476), príncipe soberano da Valáquia, província meridional da Romênia, por três vezes, em 1448, aos dezessete anos, entre 1456 e 1462, e por fim, em 1476, quando é morto em combate tentando reaver seu antigo posto de imperador, dois anos depois de ser libertado pelos húngaros. Muito antes de se deixar levar pelo reducionismo estúpido do consenso, há que se saber exatamente por que certas figuras da história reúnem a sua volta tamanha carga de polêmica, sem se dizer com isso que não tenham sido julgadas pelo tempo com o rigor merecido. Decerto o que mais fascina em tudo quanto se refere aos vampiros é a comparação do que se sabe acerca da atuação mitológica dessas criaturas com sua dimensão humana e mesmo sociológica, caso de Drákul, lembrado pela bravura em cenários de guerra e como um chefe de família devotado, que não se furtava a defender os seus com sangue se necessário. O irlandês Gary Shore assinala passagens ignoradas pelos livros em torno de Vlad Tepes em “Drácula — A História Nunca Contada”. Num roteiro que prima por nunca resvalar na caricatura, mérito de Burk Sharpless e Matt Sazama, o monarca, também conhecido pela alcunha nada sutil de Vlad, o Empalador, tem episódios mais íntimos de sua vida dissecados pelo primogênito, que, segundo se especula, teria dado continuidade ao legado do pai, marcado por pânico e uma obstinação por manter-se influente.
Shore confere a seu protagonista o verniz de um herói byroniano, mas à medida que a história avança e o espectador conhece mais a fundo o personagem, restam evidentes as suscetibilidades de Vlad, um ex-soldado que lutara nas hostes da Transilvânia ainda menino, quando fora sequestrado pelos turcos. Esse caráter moldado à custa de traumas e de autossacrifício forçado explicaria a propensão para um temperamento bárbaro, desculpado pelo fato de ter vivido ainda no medievo, uma era de confesso menoscabo por sofisticações filosóficas como a defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais. Luke Evans incorpora essa ambivalência moral de Vlad III, que foi se fazendo conhecer pelo sobrenome polêmico. A certa altura, ele explica que Drákul quer dizer “filho do dragão”, sendo o dragão um ser mitológico associado a Deus em alguns povos antigos, mas um sacerdote explica que esse é outro dos muitos equívocos que se juntaram à trajetória de seus antepassados.
O amor entre o personagem de Evans e Mirena, de Sarah Gadon, é empanado pelas sequências de batalhas e intrigas extraoficiais — momento em que Dominic Cooper brilha como Mehmed —, mas são um bom respiro romântico em meio ao conto de verdadeiro terror por trás de Drákul, um homem que fez tudo a sua maneira, pagou e continua a pagar por isso.
Filme: Drácula — A História Nunca Contada
Direção: Gary Shore
Ano: 2014
Gêneros: Terror/Fantasia
Nota: 8/10