Tão bom quanto o livro, romance gótico na Netflix é uma das mais belas e sombrias histórias de amor de todos os tempos Divulgação / Focus Features

Tão bom quanto o livro, romance gótico na Netflix é uma das mais belas e sombrias histórias de amor de todos os tempos

Na austera e vitoriana Inglaterra do século 19, vive a órfã desafortunada Jane Eyre (Mia Wasikowska). Embora seja de família rica, ela acaba rejeitada pela tia, que a joga em um internato. Inspirada pela própria experiência com as irmãs na escola católica de Cowan Bridge, Charlotte Bronte descreveu traumas similares vividos por Jane Eyre em Lowood School, lugar onde era tratada com rigidez draconiana e que oferecia uma estrutura insalubre e crítica, que culminou na morte de algumas alunas.

Agora adulta, Jane, uma mulher que se destaca pela inteligência, humildade e seus muitos talentos, se torna governanta da pupila de Edward Fairfax Rochester (Michael Fassbender), um aristocrata a quem pertence a mansão de Thornfield Hall. O primeiro encontro entre eles não é nada amistoso. Jane caminha nos bosques a caminho dos correios, quando sua presença assusta o cavalo de Rochester e ele torce o pé. A situação o deixa de mau-humor, mas Jane, que ainda não sabe que se trata de seu patrão, age com ingênua desconfiança ao tentar ajuda-lo.

Horas mais tarde, o patrão pede para vê-la e eles mantém um estranho diálogo. Na realidade, todos os encontros de Jane e Rochester são estranhos. Se por um lado, ele é uma espécie de Conde Drácula, com olhos sanguinários e dentes cerrados, sempre grosseiro em suas ações, inquirindo Jane sobre sua história e seus pensamentos, por outro, ela parece um fantasma, rondando a propriedade com seu rosto paralisado e pálido. Jane, que diz ter tido uma boa infância, na realidade silencia por trás dos lábios imóveis enormes frustrações, perdas meteóricas e traumas indizíveis. Rejeitada por todos durante toda sua vida, exceto por Helen (Freya Parks), uma amiga de Lowood School que morreu de tuberculose, ela tem problemas de confiança e vive como quem espera uma tragédia iminente.

E o erro de Jane é acreditar que pode ser feliz quando, apaixonada por Rochester — por seus mínimos sinais de afeição, já que ele é um homem tão duro, que sequer distribui galanteios e elogios — acredita que vai se casar com um membro da alta sociedade. Como um vampiro que esconde um segredo no sótão, Rochester tem seus mistérios e eles vão atingir Jane como um raio, quando tudo vier à tona. Apesar de sua expressiva dureza, Rochester teve o espírito tocado por Jane. Há algo de puro, melancólico e vulnerável nela que o comove. Com beijos frios e infantis, eles trocam juras de casamento, amor e lealdade eterna.

O romance é breve, mas a paixão arrebatadora nem tanto. Quando tudo dá errado e Jane foge das expectativas frustradas e em busca de sua independência, seu espírito continua entrelaçado ao de Rochester ao ponto de escutá-lo sussurrar por seu nome.

Os cenários duros, gelados e escuros reforçam a estética gótica do filme que, por escolha do diretor Cary Joji Fukunaga, não recebeu apoio de iluminação justamente para não interferir nas cores frias e sombrias da ambientação. O inverno é tão rigoroso, que nem a primavera altera a saturação das cores. O castelo é localizado em uma região tão distante, que sequer havia linha de telefone no lugar e a equipe teve que posicionar uma pessoa com um walkie-talkie em um local com acesso ao mundo exterior, caso alguém precisasse de algo.

Um romance byroniano para aquecer os corações mais lúgubres, o filme não é o que se espera de uma história de amor comum do cinema. O desenvolvimento é lento, os diálogos são complexos e a imaginação do espectador terá de conduzi-lo, já que a própria relação entre Jane e Rochester é muito discreta e há raros momentos de paixão, porque ela fica mais subentendida que demonstrada. O filme disputou o Oscar de melhor figurino pelo trabalho minucioso de Michael O’Connor. Vale também ressaltar a primorosa e apaixonante trilha sonora de Dario Marianelli,


Filme: Jane Eyre
Direção: Cary Joji Fukunaga
Ano: 2011
Gênero: Romance
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.