“Tal Pai, Tal Filha” é um filme sobre uma história de amor. Mas não de um amor romântico. O enredo parte de situações absurdas que acabam por aproximar Harry (Kelsey Grammer) e Rachel (Kristen Bell), pai e filha, após 25 anos sem se ver. Na primeira dessas situações, a publicitária workaholic Rachel é deixada no altar pelo noivo. Como se não bastasse a situação traumática, o pai, a quem ela não vê desde os cinco anos de idade, se levanta no meio da cerimônia, tropeça e sai apressado, deixando todo mundo sem entender nada. Após conversarem, Rachel e o pai saem para beber juntos e, embriagados, decidem partir no cruzeiro que seria a lua-de-mel dela. No dia seguinte, sem nenhuma bagagem, eles acordam no navio e Rachel não se lembra de nada. Nem mesmo de ter convidado o pai para embarcar com ela.
A produção de uma hora e trinta e oito minutos, dirigida por Lauren Miller Rogen, esposa do comediante Seth Rogen, tem um quê de Noah Baumbach, mas ainda sem um pouco da sofisticação. Ela mistura uma comédia leve, sarcástica e doce com cenas de drama familiar. No decorrer dessa viagem entre Rachel e o pai, eles vão descobrir que compartilham muitas semelhanças, em especial, os defeitos. Rachel, assim como Harry, é um pouco canalha, egoísta e nada sentimental. Com o rosto enfiado no aparelho celular trabalhando a maior parte de seu dia, ela age como se tudo e todos ao seu redor não fossem interessantes o bastante para merecer sua atenção. Harry, por outro lado, já foi essa pessoa. Mas após perder tudo, incluindo sua empresa e melhor amigo, teve o insight de recomeçar como um novo ser humano, corrigindo os erros do passado. Por isso, decidiu se reconectar com Rachel.
Mas é claro que as feridas latentes, quando reabertas, não são tão fáceis de curar. Elas são profundas e dolorosas. É preciso de esforço mútuo, de coragem para se abrir e dar uma nova chance ao amor. No meio do cruzeiro, eles conhecem algumas pessoas que os ajudarão, com um pouco de humor e intromissão, a encontrar o caminho de volta um para o outro. E conforme a cura começa a agir em Rachel, fica mais claro de que ela não foi deixada à toa no altar. Para ser feliz com outra pessoa, era necessário que, primeiro, ela fosse feliz consigo própria.
É possível que muitas pessoas tenham vivido experiências similares às de Rachel. Não digo as situações absurdas que dão o toque cômico ao filme, mas a disfunção familiar. Quantos pais simplesmente abandonaram suas famílias por não se sentirem prontos o suficiente para serem responsáveis? Quantas mães foram deixadas à própria sorte, mesmo que sentissem igualmente despreparadas? Mas, ser mulher no mundo tem a pressão de, inclusive, ser obrigada a se responsabilizar como se fugir da obrigação fosse algo não natural. Enquanto o homem recebe o indulto, afinal, eles não possuem o “instinto materno” ou “instinto feminino” de cuidar. O plot twist da vida real é: nenhuma mulher tem instinto de cuidar. Elas são pressionadas pela sociedade a fazê-lo.
Em certa cena, Rachel diz que sua infância, mesmo com o sumiço do pai, foi feliz, afinal, sua mãe fez com que ela sentisse que tudo era normal. Essa, infelizmente ou felizmente, é uma realidade global. As mães precisam driblar as dificuldades do caminho para dar aos filhos o que eles mais precisam: estabilidade. Mesmo assim, Rachel cresceu com algumas amarguras. Por mais “normal” que tenha sido sua infância, não há nada de natural em crescer sem pai. Isso não a impediu de ser bem-sucedida, mas a impediu de se relacionar bem com outros homens, de confiar, de se entregar 100%. Os traumas são invisíveis, mas isso não quer dizer que eles não existem.
Um filme sensível, simples e encantador que vai te fazer confrontar algumas emoções enterradas, “Tal Pai, Tal Filha” é uma produção excelente para ver sozinho, refletir, conversar consigo mesmo. Com participação especial de Seth Rogen, essa produção vai adocicar seu dia e deixá-lo mais ensolarado.
Filme: Tal Pai, Tal Filha
Direção: Lauren Miller Rogen
Ano: 2018
Gênero: Comédia / Drama
Nota: 8/10