Arrumei sarna para me coçar. Fui procurar cabelo em ovo. Chifre em cabeça de cavalo. Ó, Jesus! Indevidamente instruído pelo meu editor na Revista Bula, um patriota degenerado que vai torcer contra o Brasil na Copa do Mundo de Futebol no Catar, um hater inveterado de Jesus Cristo e de Neymar desde os tempos do Santos, um sacripanta viciado em enquetes, fui obrigado a fazer uma intrincada pesquisa com os leitores nas redes sociais da revista. A missão para a qual fui designado pelo estranho indivíduo era identificar quais seriam as dez melhores performances vocais da cantora Gal Costa em todos os tempos. Não tive saída. Mandava quem podia, obedecia quem tinha juízo.
Em tempos de cultura armamentista e de fundamentalismo religioso tupiniquim, receoso em perder o emprego, em perder as estribeiras ou em tomar um tiro de festim no meio dos cornos, cumpri o deliberado e parti para o sacrifício. Odiava pijamas com listras e listas dos mais votados. Devotado energúmeno, eu teria que entregar a pesquisa mais rápido do que o evacuar de um cágado. Pipocaram centenas de respostas, muitas delas, feias, grosseiras, medonhas, do tipo mandando a gente procurar mais o que fazer nessa vida. Parecia óbvio que era impossível escolher apenas dez dentre as dezenas de pérolas do cancioneiro da Gal, a melhor cantora do Brasil, juntamente com Elis Regina.
Musicalmente, eu estava de luto, bolado com aquela missão espinhosa e ordinária de ter que chegar às dez mais de uma cantora que tanto admirava. Como tudo nessa vida, menos era mais. Enquanto bebia uma dose de cicuta, fiquei pensando, matutando, silencioso como um camelo furibundo, se existia alguma canção que tivesse ficado ruim na voz de Gal Costa. Fiquei um dia e meio mofando na sala de um analista inimigo meu para chegar à conclusão de que o meu editor já tinha ido longe demais com suas manias, ao me designar para uma missão tão boba quanto aquela. Tive o ímpeto de pedir as contas, de passar no RH e fazer amor com Madeleine sobre a folha de pagamento, mas, me lembrei que estava com disfunção erétil e que devia até as meias para o fisco. Então, fiz um esforço hercúleo, gregário, joguei os papéis para o alto e desisti de resumir a estatística e de ler os desaforos do público.
Tomei Atitude, uma pinga de ótima qualidade que a minha tia freira, abstêmia de fé, me presenteou. Troquei a minha fralda e descambei para uma fraude geriátrica deliberada, ipsis litteris. Não estava nem aí para as consequências. Eu já tinha 57 anos. Era uma estrela apagada no céu das celebridades desconhecidas. Já tinha sobrevivido à discoteca, à lambada, ao beijo grego, ao sertanejo universitário e à maldição da morte precoce aos 27, no auge da boçalidade. Entendia patavina sobre ponto G, mas, conhecia alguma coisa sobre música popular brasileira.
Mandei a pesquisa às favas, fechei os olhinhos e escolhi dez canções interpretadas por Gal Costa, de acordo, única e exclusivamente, com a minha preferência. O voto do povão nas redes de nada valeu para a minha árdua tarefa. A urna inviolável era eu. Não estava nem um pouco preocupado idoneidade. Não fiquei pensando demais no repertório dela, que era para não sofrer em demasia com as dúvidas. Compartilho, a seguir, a lista, a minha lista. Quem não concordar, que crie a sua. Se estou nervoso? Por que estou tão afetado? Se eu dormi de calça jeans nessa noite? Ora, me errem, senhoras e senhores, por favor. Eu cansei de ser um pau mandado. Como diz a canção — e essa a Gal Costa não gravou — de hoje em diante, vou modificar o meu modo de vida: eu só vou gostar de quem gosta de mim. Gal Costa, eu te amo!