A mente humana tem seus mistérios, tantos e de tal modo absorventes que o homem precisa estar sempre alerta para não ser vítima dos delírios que ele mesmo fabrica. Esse lado da natureza de todos nós, tão cheio de reentrâncias e saliências, subidas e declives, luzes e sombras, fica a salvo da curiosidade quase sempre destrutiva de quem nos rodeia, há circunstâncias em que o cerco se fecha a ponto de pensarmos que estamos vivendo numa espécie de universo paralelo, onde não somos mais os protagonistas da nossa própria vida, momento em que cresce a sensação de que algo de muito errado se anuncia, adquire proporções cada vez menos racionais, reveste-se de uma aura crescente de emoções que se libertam e se encastelam, processo mais e mais incontrolável, até finalmente degringolar em obsessão, paranoia, frustrações, melancolia, tristeza. No mesmo movimento, numa fase em que já não nos dominamos mais, parece que somos atraídos para uma espiral de perigos e ameaças, em situações e cenários que não pertencem ao mundo físico. Tudo é como um sonho, ou um pesadelo, em que lembranças as mais nebulosamente monstruosas fundem-se ao pouco que conseguimos identificar com a realidade, tesouro de valor ainda mais inestimável diante de falsidades de toda ordem.
Uns mais do que outros, estamos todos vulneráveis às armadilhas que nos prepara nossa própria imaginação, capacidade de apreender o que se passa a nossa volta de forma a nos blindar de vãs preocupações que termina por virar-se contra nós, processo às vezes gradual, mas também impetuoso, de que não raro afloram as emoções que nos nutrem e nos envenenam. Sempre apto a desenvolver soluções para os problemas que, uma ou maneira, ele mesmo inventa, o homem sistematizou o encaminhamento das perturbações sensoriais que o assaltam por razões diversas, sobre as quais não tem controle, mas que nunca se formam ou recrudescem sem sua aquiescência. O problema é que, inexoravelmente, conseguimos subverter o conhecimento em nome do que quer que seja, em especial do que degringola em vantagem para nós e prejuízos para os outros. Matt Angel e Suzanne Coote dão vida a uma história algo hermética, que aparentemente trata de assuntos íntimos demais, mas à medida que o enredo de “Hypnotic” (2021) toma forma, o espectador acha dentro de si os elementos que o ligam ao drama de uma personagem devastada por perdas, e ainda mais esmorecida depois que se depara com falsos salvadores.
Jenn é essa mulher cada vez mais perdida no turbilhão de más experiências que passaram a se abater sobre si. Não tem mais emprego; ainda ama Brian, o namorado vivido por Jaime M. Callica, e é correspondida, mas pondera que é melhor para os dois que cada qual siga seu próprio caminho; e constata com uma precisão cada vez mais incômoda que ela e seus amigos estão em numa quadra da vida em que se só encontram de quando em quando, para falar de seus próprios assuntos, sem nenhum ponto de contato entre si. Kate Siegel vai se firmando como uma musa do suspense; seu encontro com o parapsicólogo Collin Meade, interpretação, com a licença do trocadilho, hipnótica de Jason O’Mara, é o trampolim de onde Angel e Coote se atiram, a partir do bom roteiro de Richard D’Ovidio, para especular sobre fenômenos inexplicáveis, que, claro, têm uma explicação bastante óbvia. A exemplo do quase sempre sói acontecer na vida como ela é.
Filme: Hypnotic
Direção: Matt Angel e Suzanne Coote
Ano: 2021
Gêneros: Thriller/Terror
Nota: 8/10