Aquele tipo de sujeira que não sai com água e sabão

Aquele tipo de sujeira que não sai com água e sabão

Depois de tanto sofrimento, o dia nasceu feliz. Em maior ou menor grau, seria capaz de bancar que grande parte das pessoas que se posicionaram politicamente nas mais variadas redes sociais, principalmente aquele pessoal rotulado como “de esquerda” ou “esquerdopata”, sofreu ataques verbais e, até mesmo, ameaças de agressões físicas e de morte.

De minha parte, por exemplo, recebi inúmeras mensagens desagradáveis, ríspidas, grosseiras, declarações histéricas de ilustres desconhecidos da web e de “amigos de longa data”. Aquele tipo de ofensa abjeta que a pessoa, tenho certeza, não faria pessoalmente, olho no olho. As redes sociais têm também essa peculiaridade: algumas pessoas escrevem e falam sem ligar o cérebro, sem pensar nas consequências de suas palavras e não freiam os rompantes de estupidez.

Há tempos não me sentia tão feliz, tão orgulhoso, de consciência tranquila pelo dever constitucional cumprido. Tinha prometido a mim mesmo que jamais votaria novamente no Partido dos Trabalhadores, desde o advento dos escândalos do Mensalão e do Petrolão, claramente, gravíssimos desvios de ética, de moral e de civismo. A falta de autocrítica dos principais líderes do partido incomodava-me profundamente.

Desde 2018, com o advento do bolsonarismo e a insurgência dos radicais da extrema-direita, o Brasil virou de ponta a cabeça. Parecia que alguém tinha aberto os portões do inferno e da Caixa de Pandora por onde escapavam todos os males do mundo sob o território nacional, em especial, o ódio, a intolerância, o fanatismo, o fundamentalismo religioso, o culto à ignorância, os preconceitos de todas as ordens e a mais completa falta de empatia com o próximo.

Passados quatro anos desde o impensável acesso de um líder malévolo, histriônico, pedante e sem compostura ao cargo público mais importante do país, chegávamos a um ambiente sociopolítico fortemente favorável ao retorno de Luís Inácio Lula da Silva. Líder das pesquisas de intenção de votos desde sempre, libertado de uma condenação judicial comprovadamente maquiavélica e, acima de tudo, ilegal, conforme restou comprovado, Lula se tornava, mais uma vez, a esperança, a única saída viável para tirar o país das trevas, das ameaças de golpe de estado, do retrocesso histórico e da autocracia.

A chamada “terceira via”, fatidicamente, não se viabilizou. Antenado ao fenômeno global pernicioso de insurreição da extrema-direita radical, vi-me na obrigação histórica e inadiável de romper o compromisso pessoal que fizera de não mais votar em candidatos do PT. Restava a abstenção — mais conhecida como negligência, covardia — ou cravar o voto num dos dois postulantes.

Sendo assim, aderi confiante à frente ampla que se formou em prol da democracia. Da mesma forma que os demais progressistas, arregacei as mangas e fui em busca do convencimento, dos votos, de forma ativa, altiva, porém, respeitosa. Valeu a pena o esforço. Encerrada a angustiante apuração dos votos, a sensação de alívio foi incrível. A democracia vencera mais uma. Agora, restava lavar com lágrimas, água e sabão a bandeira nacional, há tempos aviltada, vilipendiada, sequestrada, e aquela camiseta amarela, tristonha, solitária, guardada no fundo da gaveta.

Que venham outros dias felizes para o povo brasileiro. Viva o Brasil. Viva a democracia. Viva a liberdade de expressão que me propicia publicar esse texto em desagravo à paz, à união e à reconciliação possível do povo brasileiro.           

Eberth Vêncio

É escritor e médico.