As já célebres oficinas de escrita criativa da União Brasileira de Escritores Seção Goiás, que contou com a participação de alguns dos maiores autores brasileiros, gerou um grupo de WhatsApp que se transformou em um verdadeiro fórum de debate cultural, onde há irrestrita liberdade de expressão. Há participantes do mundo todo: Argentina, Arábia Saudita, Portugal, Canadá e outros. Já houve de tudo neste grupo: polêmicas, brigas, surras intelectuais homéricas, reconhecimento de derrotas, críticas sinceras e até amizades que se formaram. A Revista Bula, percebendo o nível dos debates travados no grupo decidiu fazer um convite que também era um desafio. Promoveu uma seleção de microcontos produzidos por seus participantes. Os vinte melhores seriam publicados. Foram mais de 400 propostas. Diante da quantidade e da qualidade dos textos, a Revista Bula teve que dobrar a meta. O editor Carlos Willian Leite, juntamente comigo e o escritor Solemar Oliveira selecionaram quarenta microcontos, que serão publicados em duas coletâneas. Essa é a primeira. Em breve a segunda será publicada. Que venham a terceira, a quarta, a quinta… Os microcontos estão publicados em ordem aleatória e não seguem critérios classificatórios.
Poesia da inocência
Da janela, o sol espia a fome do menino. Tropeça no nada, o pai bêbado. Na praça, flores se abanam. Encanta-se o menino. E encantoa a fome. O policial traga. Joga o cigarro no jardim. Algema o bêbado. “Prendam o poliça!” — grita o filho! — “Ele acaba de matar um sonho!”
Lêda Selma
Ao deitar
Deitou-se. Sentiu outro corpo espichando-se junto ao seu. Viu uma figura branca, transparente e soltou pavoroso grito. Sua irmã chegou e pôde ver o resto luzidio de uma perna que entrava pela parede azul.
Maria Helena Chein
A cidade sem machões
Correu a notícia de haver chegado uma mulher halterofilista ao Monumental Bordel. Os machões de Mundocaia foram desafiados a fornicarem com ela. Fizeram fila. Todos tiveram o pênis torado. Só depois, a cafetina informou que, além de forte, a mulher tinha os dentes sisos na vulva.
Edival Lourenço
Vingança
Libero resolvera sangrar o juiz mode a sentença injusta. O togado foi apeixeirado nos rins que chega vazou nos bofe. Faca preta. Vixe! Dormida na nódia de bananeira, por demais, enferrujada. Ou desencarnava sangrando, ou de teto. Partiu dessa para a melhor, o desinfeliz bacharel.
Nilson Jaime
Fim da linha
Andava pela linha do trem, saltava versos secos, morreu numa palavra, sozinha.
Ana Paula Mira
Dia cheio
Havia acordado. Cedo. Morava sozinho há um mês. Escovou os dentes e testou o interruptor, notando que estavam sem energia. Ele e o apartamento. Olhou pela janela por olhar. A água estava fria. Voltou a se deitar e as cobertas continuavam quentes e macias. Dormiu pelo resto do dia.
Eliézer Bilemjian
Prece
Embora ateu, pedia à Deus para esquecer seus pecados. Tempos depois, fora diagnosticado com Alzheimer.
Émerson Falkenberg
O acidente
Um homem muito curioso queria ver o acidente e quem morrera, mas a multidão cercava o morto. Então, o curioso saiu gritando: — Sou irmão do morto! Sou irmão do morto! A multidão, atônita, abriu passagem, até o curioso se aproximar e deparar com um jumento morto.
Elias Antunes
Bateria
O celular descarregou-me. E eu não ligo.
Hélverton Baiano
Véspera
Chegaram aos bandos. Mutilados, amassados, sem viço. O bater de latas e o ranger de engrenagens ocuparam as ruínas da velha igreja. Levantou o que sobrou do braço e fez-se o silêncio que antecede as batalhas. Sim, estavam prontos. Uma gota de óleo escorreu de seu olho esquerdo.
Luiz Fafau
Brincar de fugir de casa
mariana e a amiguinha atravessaram correndo a rodovia. uma, a mais rápida, não viu o carro vindo. a outra, mais lenta, não viu o carro indo.
José M. Umbelino Filho
Marshmallow
Vivera ansioso a vida toda juntando grana pra comprar um avião. Comprou. Pegaria na segunda. Na tarde do sábado, engasgou-se com um marshmallow, ficou roxo, e morreu.
Rafael Fleury
O pão da morte
Quando se conheceram, foi como um encontro de almas. Foi Deus quem te colocou na minha vida, ele lhe disse num dia. No outro, agiu como o diabo, fazendo-a comer o pão que ele mesmo amassou na sua cara ao acertá-la com o primeiro tapa.
Luciane Monteiro
Peremptório e mui complexo prosema microcôntico, macrotitulado, de Baldolino
Cansado de vírgulas cheio. Meti um ponto no meio
Juliano Barreto Rodrigues
Diga-me o que se sente
Copa do Mundo, brasileira na Argentina, o lugar errado no momento errado. 7 a 1. Os Argentinos perguntam o que se sente, não dá pra explicar.
Línea Sousa e Silva
Desistência
Saltar de paraquedas era seu fascínio. A liberdade dos céus, a face e os gestos ao vento superavam, por instantes, sua amarga existência. Naquele dia as trovoadas e os vendavais internos não permitiam grandes saltos. O paraquedas teve outra utilidade. Suas cordas abraçaram o caibro. Entre seus pés e o solo, um banco virado.
Elizabeth Abreu Caldeira Brito
Epifania
De tanto ouvir sobre o castigo divino, Edicléia morria de medo da morte. Até descobrir que o verdadeiro inferno era não viver a vida.
Simone Athayde
Ministro
Eu que nunca fui ministro.
Minha conta bancária em off chora.
Malthus de Queiroz
No sábado ensolarado
Desceu apressado pela Rua Riachuelo. Passou pelos pés de boldo e de espada de São Jorge, brechós vários, pensão Sinai, cafés retrôs, Gayatri, Wawá, Habibi, Rause. N’Alfaiataria, de relance, leu sueña fuerte. Ao lado do restaurante Mahá, finalmente, o sex shop! Preferiu o sol.
Gisela Maria Bester
Morte Encefálica
De tanto pensar, parou!
Jazz Oliveira