Gosto da ideia de haver um “Dia de Finados”. Evidentemente, trazemos os nossos mortos dentro de nós todos os dias; ter um dia específico para os homenagear me parece, ainda assim, algo importante. Philippe Ariès, claro, desvendou esses mistérios do luto para nós todos.
Não vou a cemitérios no dia 2 de novembro (vou em outros dias, e também sempre visito cemitérios quando viajo), mas penso bastante nos que se foram. Neste ano, amigos, filhos de amigos, meu tio e meu pai, uma ferida ainda não suturada. E me recordo de tanta gente: Celso, Isanulfo, Servito… Lembro-me do Diogo, que me dizia que iria morrer com 30 e poucos anos e cumpriu a promessa, o sacana. E da Palmeiras de Goiás da minha infância, quase toda morta, meu avô, muitos tios e tias, a própria ideia de “Palmeiras de Goiás”, com suas casas — também mortas? — em que eu me perdia dos adultos (o que eu não daria hoje, meus Deus, para me perder “dos adultos” por uns poucos dias…).
E há os mortos em vida: doem tanto quanto os demais. Os amigos que nos traíram, os amores que se perderam (esses sangram todos os dias), as boas coisas em nós que deixamos petrificar. A gente vai ficando meio de borco com tanto peso (e Drummond transformou isso em arte na sua reunião de vivos e mortos do imensamente belo “A Mesa”. Não conhecem? Azar de vocês…). Fazer o quê? “O sertão é dentro de nós.”
Há a ideia de que tudo morre para que exista renascimento, dizem-nos as religiões e a biologia nos comprova. Tudo muito belo, mas os renascimentos são para os outros, para o continuar da vida aqui no tal vale de lágrimas; para nós, aqui e agora, nada renascerá. O sobrinho novo renova a vida da família, mas não traz em si o que amávamos no pai que se foi; o novo amor vem com algum travo da morte do anterior; e o novo dia chega inevitavelmente com a ideia de finitude que nos persegue. Existe, e todos nos espantamos com isso, quem parece conseguir largar esses pesos com algum ar de convicta força — mas eu os olho e sei que a âncora do passado está ali para os fundear, ainda que disfarcem; restará apenas saber se o fundo em que ela repousará será firme ou instável (no meu caso, a âncora cai sempre em pântano movediço).
“Esta vida está cheia de ocultos caminhos. Se o senhor souber, sabe; não sabendo, não me entenderá.”