Cormac McCarthy, de 89 anos, escreveu um romance tão bom, mas tão bom, que quase esmagou outras obras notáveis de sua autoria. “Meridiano de Sangue” é uma espécie de Shakespeare carnavalizando e chafurdando pelo Oeste americano. Um Oeste tão brutal quanto mítico. A história impressionante é complementada por uma linguagem idem. William, o britânico, se pudesse, diria: “Renasci”. E acrescentaria: “Eu e Hamlet, eu e Lear”. O juiz Holden talvez seja filho do autor de “Otelo” e do Dostoiévski de “Crime e Castigo” e do “Faulkner” de “Luz em Agosto” ou de “Absalão, Absalão”. Talvez um pouco mais brutal. Porque há pouca tão brutal quando a história deste romance singular, que talvez reinvente Faulkner, e não para ser igual ao William americano, e sim para ser Cormac McCarthy mesmo, uma voz única.
Então, apesar da excelência de “Meridiano de Sangue” (que li quando ainda era, no Brasil, “Meridiano Sangrento”), é preciso dar uma chance aos demais romances de Cormac McCarthy. Porque há uma qualidade média, a ser redescoberta, em quase todos (o único que não me empolga é “A Estrada”).
Agora, a Alfaguara prepara o lançamento de “O Passageiro” (“The passenger”), de Cormac McCarthy, com 392 páginas e tradução do exímio Jorio Dauster. O lançamento está previsto para 14 de dezembro de 2022. Mas já pode ser adquirido no site da Companhia das Letras.
Cormac McCarthy apresenta uma obra-prima em dois volumes. “O Passageiro”, romance que abre este díptico, nos leva ao Sul dos Estados Unidos dos anos 1980 para recontar a história de Western, um homem assombrado pela morte da irmã, e que se envolve em um complô de grandes proporções.
Pass Christian, Mississippi, 1980. São três da manhã quando Bobby Western mergulha na escuridão do oceano. As lanternas subaquáticas revelam partes de um jato afundado, onde nove corpos ainda estão presos aos assentos. Os documentos de navegação, no entanto, desapareceram, assim como a caixa-preta. Deveria haver um décimo passageiro, mas não há sinal dele.
De volta à terra firme, Bobby segue as pistas que podem ajudá-lo a elucidar o mistério, que se torna mais intrincado à medida que ele avança. Em pouco tempo, ele é acossado por autoridades do governo e tem sua vida pessoal devassada.
O protagonista, em si, é também um mistério. Por meio da narrativa econômica e elusiva de McCarthy, mergulhamos em seu passado e conhecemos seus fantasmas: o pai foi um físico que participou do desenvolvimento da bomba de Hiroshima, e a irmã Alicia, frágil e instável, morreu de forma trágica. Ela é a única pessoa que Western realmente amou na vida, e sua ausência lhe arruína a alma.
Em “O Passageiro”, McCarthy cria um romance impressionante sobre moral e ciência, sobre as consequências do amor desenfreado e a loucura nos desvãos da consciência.
“O Passageiro” faz parte de um volume duplo de romances, a ser concluído com “Stella Maris”.
A Amazon informa que “Stella Maris” será publicado em dezembro deste ano. Em inglês, tem 242 páginas. Pois é: entrei na fila para ler “O Passageiro”. Mas não estou em busca de um novo “Meridiano de Sangue”, e sim de um novo grande romance de McCarthy.