Quanto mais eivado de mistério um delito se torna, mais cresce o interesse em torno não por seu esclarecimento propriamente, mas pelas circunstâncias em que se deram as diversas etapas que, com maior ou menor esmero do criminoso, culminaram naquele episódio de violência muitas vezes chocante por sua gratuidade, como se o mal nunca estivesse representado o bastante e fosse preciso deixar uma nódoa de monstruoso, como uma assinatura, para que ninguém duvidasse dos nefastos propósitos do indivíduo por trás de tanta barbárie. Ainda que seja a anormalidade a regra pela qual se guiam delinquentes de todas as estirpes do submundo — e até a obsessão do infrator por uma celebridade macabra e descabida —; malgrado tudo quanto há de obscuro na alma do homem, muito mais do que nossa vã filosofia pode supor, como disse aquele bardo inglês, é pelo rigor da vida como ela é que a polícia deve pautar nossa conduta. Entretanto, essa acaba sendo uma tarefa que desafia a razão e a sanidade mesmo de gente talhada para lidar com os descaminhos de espíritos que só resistem se amparados por suas sombras.
Combater o que há de tétrico no mundo exige destemor, mas não só. Quanto mais se vive, menos se conhece o que verdadeiramente habita o coração insondável dos homens, perdidos em seus devaneios, uns mais que outros. Da mesma forma, também é preciso ardor, permitir-se envolver por causas pelas quais ninguém se interessa, cuja gravidade é inversamente proporcional ao desprezo que incutem. O polonês Bartosz M. Kowalski brinca com noções que decerto inspiram sensações controvertidas no público. Mesclando trechos de terror desabrido com um andamento propício a elucubrações filosóficas, “O Monastério” (2022) tem o condão de mexer com os instintos mais primevos do espectador, preservando-lhe a capacidade de pensar acerca das sugestões com que o diretor pulveriza a história, de supostas confrarias ocultas e sinistras sob o verniz da Igreja ao repisado tema da possessão demoníaca, aqui irrigada pela porção criminal do enredo.
O roteiro de Kowalski e Mirella Zaradkiewicz mira uma Polônia envolta numa nuvem de contrastes. Ainda comunista e uma das repúblicas socialistas soviéticas do Leste Europeu, o país vivia tempos de esperança com a visita de um de seus filhos mais ilustres. João Paulo 2° (1920-2005), nascido Karol Józef Wojtyła na pequena Wadowice, no Sul, voltava à Polônia pela primeira vez desde que ascendera ao trono de Pedro num já distante 1987. O filme de Kowalski perde a oportunidade de melhor contextualizar seu argumento central ao não fazer nenhuma menção ao episódio, e prefere já apresentar Marek, o policial vivido por Piotr Żurawski, destacado para investigar o sumiço de criminosos, que estariam sendo mantidos em cárcere privado no mosteiro do título. Para conseguir penetrar nesse ambiente particularmente intimista, que a excelente fotografia de Cezary Stolecki define como meio fantasmagórico e pantanoso ao abusar de tons frios como azul petróleo e verde musgo, o personagem de Żurawski se passa por um dos padres exorcistas aguardados para um novo ritual.
Kowalski é competente ao encaminhar a audiência pela narrativa, labiríntica, e que começa a fazer algum sentido na transição do primeiro para o segundo ato, momento em que a participação de Olaf Lubaszenko como um estudioso de fenômenos paranormais fundamenta, enfim, a trama. Nessas boas passagens, “O Monastério” lembra contos de Agatha Christie (1890-1976) ou Edgar Allan Poe (1809-1849), mas o que é bom dura pouco: por querer botar os pés em tantas canoas diferentes, o filme resta cindido, sem se fazer notar por nenhuma qualidade em especial, além, reitero do aspecto visual, elemento estético de inegável relevância num produto como este.
Filme: O Monastério
Direção: Bartosz M. Kowalski
Ano: 2022
Gêneros: Terror
Nota: 7/10