Você não conseguirá digerir, filme na Netflix vai te perturbar por semanas

Você não conseguirá digerir, filme na Netflix vai te perturbar por semanas

Nós, seres humanos, somos dicotômicos, bifurcados. Ao contrário do que a maioria dos filmes tentam mostrar, não podemos ser apenas mocinhos ou vilões.  E “Luce”, filme de 2019, dirigido por Julius Onah e escrito por ele em parceria com J.C. Lee quer retratar isso. Mas é um jogo perigoso esse de brincar com estereótipos em uma realidade tão cheia de preconceitos enraizados e racismo estrutural. Onah e Lee andam no fio da navalha, por vezes cometem deslizes, mas são segurados pelas estremecedoras atuações de Octavia Spencer e Kelvin Harrison Jr.

Luce (Harrison Jr) é um adolescente brilhante de ensino médio, mas seu passado tem uma bagagem. Ele nasceu na Eritreia e cresceu como criança-soldado até ser adotado pelo casal branco Amy e Peter Edgar. Ao longo de décadas fez terapias para que pudesse superar seu passado traumático e se tornar um aluno modelo, atleta talentoso e orador excepcional. Exibido pela escola como uma bandeira, Luce não demonstra, mas se contorce para caber dentro das expectativas dos pais, da escola e do país em que vive. Como um jovem negro e imigrante, ele precisa se esforçar em dobro para conseguir o que seus colegas parecem naturalmente alcançar.

Após escrever uma redação usando a voz de Frantz Fanon em primeira pessoa para justificar a violência como fundamental para o processo de descolonização, passa a ser visto sob o olhar desconfiado da professora de história Harriet (Spencer). Ela consegue autorização para vasculhar o armário de Luce e encontra um arsenal de fogos de artifício, o que para ela comprova que o aluno planejava algum tipo de ataque à escola. Fora isso, Luce também está envolvido em um caso de agressão sexual.

Os pais, Amy e Peter, à princípio acreditam que o filho é alvo de uma perseguição por parte da professora e se negam a acreditar que seu filho exemplar seja uma má pessoa. Conforme a história se desenrola, eles passam a se questionar se adotar alguém com tanta bagagem foi mesmo uma boa ideia e se o passado de violência de Luce tem corroído seu espírito como uma sombra à espreita.

Ao mesmo tempo em que nos convida a tecer um comentário social sobre privilégio branco, estereótipos raciais e como as origens moldam as percepções de mundo e de realidade, “Luce” pisa em um campo minado, porque alguns diálogos acabam por reforçar exatamente essas mesmas opiniões generalizadas que critica. Se a intenção é ser perspicaz e provocativo, é igualmente perigoso. É um filme difícil de digerir e que te deixa semanas refletindo sobre seus questionamentos. Certamente, a produção nos deixa perplexos com as brilhantes e intensas atuações de Octavia Spencer e Kelvin Harrison Jr.


Filme: Luce
Ano: 2019
Direção: Julius Onah
Gênero: Thriller/Suspense
Nota: 7/10