Desculpa, planeta

Desculpa, planeta

Desculpa, planeta. Ver-te assim adoecido me entristece. A tua situação crítica tira-me o ar, literalmente. É tempo de explosões, de fumaça, de lamentações e de outros pensamentos tóxicos. Desculpa por embalar o presente com camadas plásticas de uma felicidade perecível não retornável. O meu coração é só mais uma garrafa pet. Desculpa, planeta, pelo sentimento plangente que se movimenta nas profundezas frias e silentes, nas contaminadas correntes marítimas que vão dar em mim mesmo. É o ritmo dos oceanos o que me aprisiona à realidade. É o que rege a vida ao longo dos milênios, desvendando toda e qualquer forma de sujeira que o ser humano esconda no âmago da sua própria ignorância. Nalgum momento da história, galgado pela ganância, o homem deixou de ser próspero para se automutilar, ferindo de morte a natureza. Toda sorte de lixo que se foi ou que se é retorna, um dia, sob as tábuas das marés. Em matéria de preservação e de civismo, creio que a humanidade deu marcha à ré. Desculpa, planeta, pelas montanhas de artefatos plásticos, de resíduos duros crivados de lâminas com as quais barbeio a minha cara de estupefação e de medo. Sou um arremedo de ecologista. Sou um elemento passivo como a narina de um quelônio preenchida por um canudo de refrigerante. Frente ao cenário incapacitante, só me resta a vergonha. Desculpa, planeta, por fazer desamor contigo. Fecundar-te em levas de descendentes estava nos planos; aniquilar-te, não. Desculpa por conceber herdeiros inocentes dessa porca miséria. Desculpa, planeta, por chafurdar em ressentimentos, por escrever um livro ao invés de plantar uma árvore, por ter tido filhos ao invés ter sido bom pai. O inferno da solidão está repleto de ais. Podia ter cuidado da natureza como se ela fosse uma criança, mas, não o fiz. Que venha a chuva para lavar a minha alma infeliz. Desculpa, planeta, por dormir no ponto, por despertar os teus bichos milenares com roncos de motosserra, por carcomer as tuas serras por dentro, pelas beiradas, num cavoucar de abismos com a própria boca. Saudade muita ainda é pouca. O beco em que a humanidade se meteu parece sem saída. Até Baco sofre com crises de abstinência. Parece que foi ontem que blasfemei contra o óbvio e contra a ciência. Mas, a estrada é longa. Houve um tempo em que chovia de se fazer lama ao longo do caminho. Só que o céu, um dia, cansa de tanto chorar. Sou o homem amargo que choraminga à deriva por mares de lágrimas nunca antes navegados. Quem jamais sentiu, agora, sente. Desculpa, planeta, eu nunca matei passarinho, mas, confesso que já senti vontade. Se o que vale é a intenção, assumo tamanha atrocidade. O amor a ti e à natureza é um atributo que se aprende cedo, quando mais se sentir se sente: aquele tempo em que se é criança. O que não deixa de ser um alento para um coração enfumaçado e seco, ceifado de amor, atormentado por comiseração, combalido pela estupidez e pela desesperança.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.