Temos vagas para perdedores

Temos vagas para perdedores

Temos vagas para perdedores. Não é preciso experiência. Temos vagas para os que vagueiam de queixo erguido, a se fingirem de empedernidos feito as pedras do caminho. Temos vagas para os homens feitos que se aninham fragilizados nos braços magros do esquecimento. Para os que se aquecem com a saliva de um romance. Para os que se perdem em constelações distantes, para além das estrelas fugidias. Para as vadias que, seja noite, seja dia, tremulam as carnes quentes sobre cadeiras frias, em candentes sintomas de abstinência de mais querer o amar. Para os que amam o amanhã e o mar, como se não houvesse o hoje. Menos é mais para os que se entregam por inteiro aos sonhos consumados pela metade. Para os que drenam lágrimas de saudade com os olhos impregnados de firmamento. Para os que fraquejam. Para aqueles cujo coração arde e vacila de puro contentamento.

Temos vagas para perdedores. Hoje. Sempre. Agora. Em qualquer momento. Para os que vão para a escola pedalando bicicleta ou embarcados numa canoa. Para os ateus de alma boa. Para os que se aplicam em fazer caridade esmerados no anonimato. Para os que se pegam, de repente, a vida inteira, quem sabe, por que não, metidos num mato sem cachorro. Para os que se aborrecem profundamente ao ouvir com estorvo que não se muda o mundo com prosa e com poesia. Para os velhos que plantam árvores nas quais nunca vão se balançar um dia. Para os que se arvoram na amizade como profissão de fé. Para os que se mandam a pé dos pedantes labirintos do velho mundo.

Temos vagas para perdedores. Para os cirurgiões amadores que operam verdadeiros milagres. Para os que encantoam Deus com questionamentos. Para os que abominam a mentira e se sentem mais sós do que um suicida num planeta com bilhões de pessoas. Para os que têm fome de justiça. Para os que conquistaram a liberdade do livre pensar sem disparar um único tiro. Para os que se atiram nos córregos da paixão com roupa e tudo. Sobretudo, para os que nadam de braçada nos colos dos sonhos virgens. Para os que não se afligem com o tempo escuro. Para os que dão amor, mais do que chuchu em cima do muro. Para os que se locupletam com a lua. Para os que decretam à vaidade que ela durma ao relento.

Temos vagas para perdedores cem por cento. Para os que já quebraram uma empresa. Para os que tiveram o coração partido. Para os que ficaram, ao invés de terem ido. Para quem partiu para comprar cigarros e nunca mais fumou. Para os que vão recomeçar a vida a partir de um zero à esquerda. Para os que andam sempre desarmados. Para os que querem tomar tiros de festim. Para os que gastam tempo ouvindo as lamúrias dos desconhecidos. Para os que reciclam lixo. Para os léxicos que vociferam em prol da democracia. Para os que relaxam os corpos sobre a grama fria. Para os que se negam a colocar a grana acima da relevância do ser humano. Para todo e qualquer sujeito que, entra ano, sai ano, beija a boca da vida com pastilhas de esperança.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.