Amigos passam por situações que ou corroboram a estreiteza dos vínculos e os bons sentimentos que nutrem uns pelos outros, ou fazem com que a relação, por mais vigorosa que pareça, degringole de vez, porque torpedeada por toda sorte de ameaças e episódios que mesclam o ridículo e o grave. Amizades verdadeiras são submetidas a esses pequenos testes incontáveis vezes, e, se resistem, não é por acaso: o universo parece estar ávido a comunicar alguma coisa muito séria para essas pessoas, apostando que sejam todos maduros o bastante para compreender seus sinais. Claro que isso nem sempre acontece — na verdade, quando acontece quase tem o poder de uma revelação —, mas há momentos na vida em que pouco importa o que pensemos ou queiramos: temos de refrear nossas intenções e dar ouvidos aos apontamentos e às recomendações de quem nos conhece melhor que nós mesmos em muitos pontos. Não é fácil, nem propriamente agradável, porém tal exercício de modéstia e civilidade, se feito com franqueza, rende frutos a todos. Por mais que doa no princípio.
Uma viagem pode aproximar ainda mais pessoas que já se gostam ou, pelo contrário, servir para que se disponham todas as cartas na mesa, revelem-se segredos e, por óbvio, fazer com que sejam obrigados a renunciar a todas as coisas que passaram juntos em nome do amor-próprio — ou da vida. “As Ruínas” (2008) é uma história que começa lá em cima, mas aos poucos Carter Smith vai colocando cada argumento no seu lugar devido, fazendo as insinuações que julga necessárias quanto a dar vida à trama de um grupo de amigos americanos fascinados pela viagem que estão fazendo pelo México, interesse que recrudesce quando um deles sabe de uma importante escavação que acontece nos arredores, gancho para as circunstâncias mais disparatadas deste mundo e do outro. O roteiro de Scott B. Smith não tarda em desenvolver o fantástico da narrativa, baseada em seu romance de ficção científica equilibrada com o terror mais nonsense. Quando menos se nota, as sequências de delírio coletivo a partir do início do segundo ato dominam a audiência, especialmente, como sói acontecer, pelo emprego indiscriminado do gore, muito realista.
Smith, o diretor (sem parentesco com o roteirista e autor do livro), escolhe começar seu longa voltando as baterias para a ênfase na relação próxima, até promíscua, entre os jovens protagonistas da trama. Amy, a garota-problema de Jena Malone, aproveita a última noite das férias numa festinha privê com os amigos Eric, vivido por Shawn Ashmore; Stacy, de Laura Ramsey; e Jeff, personagem de Jonathan Tucker, numa praia deserta iluminada por tochas, espantando o frio com a ajuda de uma sugestiva fogueira e de muitas doses de tequila e rum. Eis a ocasião perfeita para compartilhar segredos e se lançar a brincadeirinhas de cunho erótico, principalmente se incrementadas com uma porção de novidade, a cargo de Mathias, o turista germânico interpretado por Joe Anderson, duplamente instigante. Além de ser alvo do flerte nada contido de Amy, que o ataca hipnotizada pela beleza do rapaz, Mathias namora uma arqueóloga, envolvida nos trabalhos junto à descoberta que inspira a atenção de pesquisadores do mundo todo: evidências de uma civilização maia na selva mexicana, até então desconhecida.
O diretor encontra espaço para incluir em “As Ruínas” os comentários sociológicos algo comuns nesse gênero de produção, como o enfrentamento do moderno e do arcaico, da iconoclastia que se bate com a tradição, do branco invasor usurpando o lugar das populações pré-colombianas, muito preparadas para recebê-los como julgam adequada. O componente de terror vem sob a forma de uma erva que se alimenta de carne humana, praga com que os intrusos ameaçam os nativos, ainda que involuntariamente. Metáfora de uma tragédia que se perpetua desde então.
Essa propensão a misturar o tosco e o sofisticado decerto é o que intriga no filme, que até peca por algum didatismo, mas contorna o tédio com sequências bem enquadradas do monstro vegetal que sevicia os exploradores caídos em desgraça, momento em que detalhes cruentos sacodem a monotonia que se avizinhava. Terror, sim, mas nunca gratuito.
Filme: As Ruínas
Direção: Carter Smith
Ano: 2008
Gêneros: Thriller/Terror
Nota: 8/10