Arthur Machen e seu labirinto de horrores elogiado por Jorge Luis Borges

Arthur Machen e seu labirinto de horrores elogiado por Jorge Luis Borges

Arthur Machen foi um dos maiores escritores de horror da literatura, mas infelizmente sua obra ainda é pouco conhecida no Brasil. H. P. Lovecraft chegou a listar Machen entre os “mestres modernos” no ensaio “O Horror Sobrenatural em Literatura”.

Machen nasceu no País de Gales. Na juventude, mudou-se para Londres, onde trabalhou como jornalista, tradutor e escritor. Desde pequeno, na seleta biblioteca de seu pai, Machen desenvolveu o gosto pela leitura de obras que pendiam para temas sombrios e decadentistas de autores como as irmãs Brontë e Thomas De Quincey. Em Londres, um de seus primeiros trabalhos foi como catalogador em uma livraria, período em que Machen entrou em contato com diversos livros sobre o oculto, sobre magia e alquimia. Mais tarde, esses temas apareceriam em suas melhores histórias de horror. Machen também fez parte da maior sociedade ocultista de seu tempo na Inglaterra, a ordem da Golden Dawn, da qual também fizeram parte escritores e ocultistas como Algernon Blackwood, W. B. Yeats e Aleister Crowley. A primeira publicação de Machen na literatura sombria foi “O Grande Deus Pã”, uma novela de horror elogiada por Oscar Wilde e que causou grande impacto na crítica da época. Um ano depois, em 1895, Machen lançou seu primeiro e único romance de horror, “Os Três Impostores”.

“Os Três Impostores” se passa em Londres no final do século 19. A capital de um império poderoso como o britânico mostrava as entranhas que as fachadas supostamente limpas da sociedade vitoriana tentavam ocultar. Ruas sombrias, casarões decadentes, assassinatos — estamos na época de Jack, o Estripador! —, seitas secretas, sociedades ocultas e seus rituais, vícios, a pobreza generalizada dos trabalhadores, entre outras mazelas. A cidade não é apenas o palco, mas também um grande personagem em “Os Três Impostores”. Machen é considerado um dos grandes autores do “horror urbano”, por trazer medos primitivos, pagãos e rurais para o seio da sociedade civilizada.

Nesse livro, acompanhamos dois amigos, Dyson e Philipps, que encontram por acaso uma moeda romana, o Tibério de Ouro. Tibério foi um imperador romano, lembrado por suas orgias e pelo prazer que tinha em assistir a torturas. Há uma seita secreta em Londres que busca essa moeda e seu suposto portador, “o rapazote de óculos”. Para encontrar sua presa, os membros dessa sociedade (os três impostores) assumem disfarces e narram uma série de histórias estranhas à Dyson e Philipps, quando se encontram nas ruas de Londres, fornecendo pistas falsas, tramas talvez inventadas, recortes de jornal, entre outros enigmas, para encontrar o rastro do “rapazote de óculos”. As histórias narradas pelos impostores são, na verdade, obras-primas da literatura de horror. E a trama que emoldura essas histórias envolvendo o Tibério de Ouro e o “rapazote de óculos” é um thriller épico com desfecho impactante.

H. P. Lovecraft disse que “ ‘Os Três Impostores’ traz histórias que talvez representem o ponto culminante da perícia de Machen como arquiteto do horror”. O escritor argentino Jorge Luis Borges, por sua vez, colocou “Os Três Impostores” entre seus livros favoritos, e escreveu: “A literatura tem pequenas obras-primas quase secretas. Os Três Impostores é uma delas”. Machen também foi e é admirado por escritores como Robert Aickman, Stephen King e Guillermo Del Toro.

“Os Três Impostores” nunca havia sido publicado integralmente no Brasil. Mas isso está para mudar. A editora Ex Machina está financiando a primeira edição do romance no Brasil, com tradução de Guilherme da Silva Braga e introdução de James Machin. Além disso, a edição foi agraciada com o auxílio do fomento à tradução de autores galeses do Wales Literature Exchange.

A edição brasileira de “Os Três Impostores” ainda conta com notas e diversos paratextos, incluindo um posfácio do tradutor e uma introdução do próprio Machen, escrita em 1922, quando o romance foi republicado. Esses textos são inéditos e foram conquistados graças ao sucesso da campanha de financiamento coletivo do livro no Catarse. O livro pode ser adquirido aqui.

Leia um trecho do romance:

E existem mitos ainda mais obscuros; o medo de bruxas e feiticeiros, a malignidade chocante do Sabá e as sugestões de demônios que se uniam às filhas dos homens. E, assim como transformamos o “belo povo” terrível numa companhia de elfos benignos, ainda que aberrantes, da mesma forma ocultamos a torpeza negra da bruxa e de suas companhias sob uma travessura popular de velhas com vassouras e um gato ridículo de cauda em riste. Da mesma forma, os gregos chamavam as terríveis fúrias de mulheres benevolentes, e assim os países do norte seguiram o exemplo. Avancei em minhas pesquisas, roubando horas de outras tarefas mais categóricas, e perguntei a mim mesmo: se aceitarmos que essas tradições sejam verdadeiras, então quem seriam os demônios que supostamente compareciam aos Sabás?

(Tradução de Guilherme da Silva Braga)