A solidão é uma das formas com que se restitui a vida por nos ter permitido chegar a vencer os tantos obstáculos do caminho e atingir, afinal, certa idade. Esse paradoxo da existência, quiçá o mais perturbador justamente porque incompreensível e quase absurdo, avança pelos anos e continua sendo o enigma com que tanta gente se depara a todo momento, poderoso o bastante para perder homens e mulheres que passam boa parte de sua jornada se esmerando por não cometer nenhum deslize. Ninguém está livre das inúmeras desilusões com que a vida nos testa, determinada a nos pegar numa curva mais fechada do caminho. O grande problema é que pessoa nenhuma pode afirmar com toda a convicção o que faria se viver fosse, aos poucos, se tornando o fardo que uma legião de exaustos guerreiros carrega sem reclamar, esperando o galardão que nunca vem. Há os que ignoram, os que fogem, os que enlouquecem, os que somem; há os que enfrentam, os que lutam, os que suam, os que vencem. E os que morrem.
“Refém da Paixão” (2013) é um filme muito peculiar. O jeito com que o diretor Jason Reitman aborda o isolamento involuntário de sua protagonista, uma mulher devotada exclusivamente ao filho, à casa e a si mesma, oscila entre o melodrama e a tragédia, até que entra em cena o príncipe com que nunca sonhara, o único capaz de libertá-la de uma história tristemente linear. Essa mulher sensível, mas forte, parece feliz (ou pelo menos resignada), mas o roteiro de Reitman, baseado em “Labor Day” (2009), publicado no Brasil como “Fim de Verão” (2010; Rocco), romance de Joyce Maynard, dá pistas de que lhe falta um bom pedaço logo no começo da história. O diretor faz do material que lhe cai à mão um melodrama repleto de sequências cujo lirismo ora solar, ora meditativo chamam a atenção, mas o filme soa incomodamente austero em determinados momentos, mormente no prólogo, devido à falta de nuanças na personagem central, que parece querer sufocar a nesga de romantismo que justifica o argumento da trama. Só com muita paciência se pode ter um vislumbre do bom lugar que a narrativa vai atingir, à custa de uma reviravolta um tanto prosaica já na iminência do encerramento.
Em 1987, a vida de Adele Wheeler, a pacata dona de casa vivida por Kate Winslet, e de Henry, seu filho único, personagem de Gattlin Griffith, obedece à trajetória monótona de sempre. Os dois quase nunca são vistos para além dos limites da rua da cidadezinha em que moram em New Hampshire, no nordeste dos Estados Unidos. O outono se aproxima do fim e o verão escaldante não demora a fazer com que a população, muito mais chegada às nevascas e ao vento cortante, amaldiçoe o calor. Numa das idas esporádicas ao centro da cidade, Adele e Henry fazem algumas compras, esperando não cruzar com Gerald, de Clark Gregg, ex-marido dela e pai do menino. Aos treze anos, Henry espelha a insegurança de Adele, cada vez mais vulnerável a pequenos colapsos nervosos, manifestos por um renitente tremor nas mãos — sobre o qual a adaptação do diretor diz menos que o bastante. Sem que se dê conta, o garoto é observado por Frank, um homem tão gentil quanto misterioso, que chega até ele e lhe pede uma carona.
Só a partir desse ponto é que “Refém da Paixão” passa a ganhar musculatura, muito por causa da performance de Josh Brolin. À medida que ganha a confiança de Henry e, principalmente, a de Adele, são desvendados os segredos em torno de sua figura, inicialmente sinistra, mas que logo assume um lado doce e protetor, tudo de que os Wheeler precisavam, tanto Adele como Henry. Frank vai abandonando o hábito de amarrar Adele à cadeira enquanto cozinha uma refeição para os três, ainda que ela nunca lhe tenha declarado qualquer resistência. Henry, por seu turno, segue todas as orientações do intruso, primeiro por temer por sua vida e pela da mãe, depois por reconhecer no anti-herói de Brolin a encarnação do pai que nunca experimentara em plenitude.
Reitman trabalha a ideia de frank ocupando os muitos vácuos da vida de Adele e Henry, nessa ordem, a partir da fragilidade emocional dos dois — e de uma certa elasticidade moral da personagem de Winslet, que poderia ter resistido aos encantos de seu algoz, mas encontra todos os motivos para não o fazer. Metáforas desabridamente sexuais, ainda que discretas, como a do preparo de uma torta de pêssegos que o senhor Jervis, o vizinho interpretado por J.K.Simmons numa participação meramente afetiva, explicam boa parte do filme, que se torna um diário da vida improvável daqueles três infelizes juntos. O enredo tem uma sequência que insinua terem se passado 25 anos (para todos, à exceção de Adele), que deixa no ar se tudo não teria passado de uma síndrome de Estocolmo mal curada, ou se houve mesmo entre os dois um amor verdadeiro, resistente ao tempo e à distância impingida pela lei.
Filme: Refém da Paixão
Direção: Jason Reitman
Ano: 2013
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10